Cursos e Profissões Para Mulheres: Opção, Inclinação ou Condicionamento? – Parte 2
POR LUZOLO FELIZ
“Os rapazes são mais inteligentes do que as raparigas. Por isso, há mais rapazes nos cursos de engenharia do que raparigas”.
Foi esta a resposta dada pela jovem mulher, estudante do quarto ano do curso de Telecomunicações, que a todos atendia de forma eficaz e eficiente na sala de reparação dos sistemas e dados informáticos de uma das universidades mais prestigiadas do País, quando questionada sobre a causa da fraca adesão de estudantes do sexo feminino ao seu curso; tendo acrescentado que outra das causas é o facto de existir, relativamente às raparigas, uma maior “protecção dos pais em relação ao tempo para o estudo em grupo”.
De acordo com a estudante, e segundo o que disse ter lido em algum site, “as raparigas têm capacidades cognitivas inferiores às dos rapazes, que são preguiçosas para as exercitar ou que, mesmo se esforçando, o seu QI não permitirá atingir tais capacidades”. Este parece ser o entendimento comummente generalizado, apesar de sabermos que o cérebro se forma antes de se formarem as genitálias. Sem saber, a estudante estava a provar exactamente o contrário, pois os estudantes que são postos a executar a função que a mesma desempenha são, normalmente, os mais destacados da turma.
Deparei-me com outra estudante do mesmo curso que confessou não ser fácil, sendo mulher, fazer um curso que exige muito do estudante, uma vez que é difícil conciliar o tempo de estudo com os afazeres domésticos.
Apesar das diferentes abordagens apresentadas pelas duas estudantes, podemos verificar, aqui, um denominador comum – o tempo. As duas estudantes apontaram o tempo como o principal elemento para a frequência e para o sucesso das mulheres num curso como as Telecomunicações. De facto, o tempo, sendo um recurso não renovável, é um factor preponderante e de extrema necessidade para as mulheres no âmbito desta problemática. Contudo, não são elas, as mulheres estudantes, que controlam o seu tempo de estudo.
Devido à existência de uma cultura patriarcal que tende a “superproteger” a mulher de problemas que advêm dessa mesma cultura, as mulheres são protegidas por homens, de homens em vários espaços, incluindo na escola. Na maioria das vezes, é o pai ou outra figura masculina que delimita o tempo para a rapariga estar fora de casa, ainda que seja para estudar. As razões que se apresentam para justificar esse controlo são, claramente, o perigo de a rapariga sofrer algum tipo de violência ou a crença de que, desse modo, se pode controlar a sua sexualidade. Assim sendo, ainda que o estudo em grupo contribua para uma melhor aprendizagem, designadamente, nas disciplinas práticas, colocam-se todas essas suposições acima de um bem maior, que é a formação dessas raparigas.
Outro entrave ao tempo que as raparigas precisam para estudar é a divisão do trabalho doméstico entre rapazes e raparigas. É comum os afazeres domésticos serem, totalmente, destinados às pessoas do sexo feminino. Nos nossos lares é habitual que, apenas, as raparigas “arregacem as mangas” e ponham “as mãos na massa”, sendo que aos rapazes são deixadas tarefas que raramente são requisitadas, como trocar as lâmpadas, acarretar a água ou deitar o lixo. Todas essas tarefas fazem-se em alguns minutos e com um intervalo de tempo considerável, o que lhes permite ter tempo suficiente para fazer os exercícios das disciplinas práticas que requerem muito tempo de estudo como a matemática, física, química, programação, álgebras e logaritmos.
Enquanto existirem estas desigualdades, não será possível que as raparigas tenham o mesmo desempenho que os rapazes, seja em grau ou em número. O facto é que rapazes e raparigas não terão a mesma disposição para estudar, pois enquanto os primeiros acordam, vão à escola e ainda podem lá ficar para rever a matéria com um explicador, as segundas, por seu turno, têm de manter a casa em que todos vivem – rapazes e raparigas – limpa, vão à escola mas têm de voltar cedo para preparar a refeição, fazendo com que ao fim do dia já estejam exaustas e sem disposição para pegar nos cadernos. Na verdade, se conseguirem fazê-lo, já será um desdobramento e tanto. Ora, neste caso, que espelha a maioria, não se pode esperar que as raparigas apresentem os mesmos resultados escolares que os rapazes apresentam.
Se a família, como célula fundamental da sociedade não cria condições para que homens e mulheres tenham a mesmas oportunidades para desenvolverem conhecimentos científicos variados e poderem, desta forma, optar por diferentes profissões, não podemos esperar que essas mulheres contribuam, de igual forma, para o desenvolvimento da nação. É importante lembrarmo-nos que “é de pequeno que se traça o destino”, pois são os pequenos e as pequenas que irão garantir um futuro melhor, de justiça e equidade.
Contudo, a família não é a única responsável por esta mudança. Esta problemática é, antes demais, um assunto do Estado, que deve criar as condições para que, uma vez inseridas em profissões, erroneamente consideradas masculinas, as mulheres vejam assegurado o seu bem-estar, sendo necessário ter em conta as suas necessidades específicas.
Por último, mas não menos importante, cabe, também, a cada uma e a cada um de nós ser a autora e o autor da mudança, deixando de reproduzir ideias preconceituosas e passando a incentivar mulheres e meninas a ambicionarem, a arriscarem mais, a irem para além do limite, mostrando-lhes que não há limites. É preciso ajudá-las a quebrar barreiras e garantir que competição saudável entre as pessoas seja, de facto, “um jogo limpo” e não com regras diferentes para um determinado grupo.
Sobre a autora:
Luzolo Feliz é estudante de Economia e Gestão de Saúde e de Teatro. É activista e gosta de poesia e de filosofia.