O Retrocesso na Luta pela Justiça de Género na Nomeação do Novo Executivo e na Formação da Nova Legislatura

Por Cecília Kitombe

João Lourenço a fazer o seu primeiro discurso como Presidente da República;ica de Angola. Fonte: Facebook

João Lourenço a fazer o seu primeiro discurso como Presidente da República;ica de Angola. Fonte: Facebook

O Presidente da República João Lourenço fez apresentação do novo executivo, que irá materializar as políticas de governo correspondentes ao período 2017 - 2022. Foram nomeados 30 departamentos ministeriais, dos quais, 12 chefiados por mulheres. Este facto é animador, sendo que se registou o aumento da representação feminina no aparelho governativo. Contudo, a nível dos governos províncias denota-se a ausência de governadoras, um retrocesso na luta pela igualdade de género relativamente a representação política das mulheres nos espaços de decisão.

Nas nomeações passadas, verificou-se a presença de três mulheres governadoras em 2008, e duas em 2012. Francisca do Espírito Santo foi a primeira mulher a ocupar o cargo de governadora no País, em 2008, na capital do País (Luanda), onde a maioria da população está concentrada. Não foi uma liderança que satisfez as maiores expectativas com relação aos direitos das mulheres, pois nesta altura, a repressão policial e fiscal sobre as mulheres zungueiras se multiplicou, agudizando a violência institucional contra as mulheres.

Nesta nomeação houve algumas mudanças bem-vindas em termos de fusão de ministérios, a destacar o exemplo do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher e o Ministério dos Recursos Minerais e Petróleo. Ainda assim, a reestruturação peca por não encurtar mais o número departamentos ministeriais, um passo necessário para promover a eficácia e eficiência do poder executivo.

É louvável a representação feminina no Ministério da Saúde, um departamento que durante a sua história não registou uma liderança feminina. Espera-se que a Ministra Sílvia Paula Valentim Lutucuta possa desempenhar as suas funções priorizando a saúde materno-infantil, a Málaria, a problemática do VIH/SIDA, o cancro da mamã e outras doenças que afectam directamente a vida das mulheres em Angola; lembrando que mesmo os problemas actuais do sistema de saúde sobrecarregam as mulheres pois elas desempenham desproporcionalmente o trabalho de cuidado dos doentes que ainda não é suportado pelas instituições do Estado.

Imagem 1: Composição dos Departamentos Ministeriais por Género

2008

2012

2017

Paralelamente a estes factos, devo ressaltar que em Angola nunca se verificou ao longo dos anos a presença de mulheres nos mais altos níveis de decisão política, por exemplo, a nível da Presidência da República, Vice-Presidentes, Ministras do Estado, Chefes da Casa Militar e Civil, Ministras da Defesa entre outros organismos de proa que decidem efectivamente os meandros da política nacional.

O MPLA nos seus programas de governo, tem se comprometido a trabalhar para a inserção da mulher na vida política, como mostram os estratos a seguir: “… assegurar o crescimento gradual da participação das mulheres em cargos de decisão a todos os níveis, respeitando as metas fixadas pelos compromissos internacionais e regionais…” (Programa de Governo 2012 - 2017, página 36); e “…fortalecer o papel da mulher angolana na vida política, económica e social nos diferentes escalões, de modo a reduzir as diferenças de género; (g) Promover a “transversalização” das medidas de política a todos os sectores incentivando a igualdade de oportunidades nas políticas de emprego, a ajuda à conciliação da vida profissional e familiar, bem como contrariar a persistente sub-representação das mulheres em todas as esferas e níveis de decisão…”(Programa de Governo 2017 - 2022, página 42).

A repetida falta de cumprimento destes compromissos inclina-me a concluir que a inclusão das mulheres nos lugares de decisão, bem como o seu desenvolvimento, está apenas taxada no plano da formalização enquanto obrigatoriedade política, embora no campo prático falte a interiorização destes processos como sendo urgentes e necessários para o desenvolvimento social do País. 

Como justificar a ausência de mulheres na liderança dos governos provinciais?

Imagem 2: Representação Feminina na Chefia dos Governos Provinciais

Adianta aqui também realçar que a nível do poder legislativo, a representação feminina no parlamento caiu de 38% para 26%; uma redução significativa em termos de cumprimento formal daquilo que são os compromissos que o Estado angolano vem assumindo no plano internacional e regional sobre a igualdade de género e representação feminina na política. Assim, esta redução põe em causa a seriedade com que o governo e os partidos políticos com assento no parlamento tratam a inserção das mulheres na vida política do País. Como perceber que o parlamento actual reduza para 12 pontos de percentagem a representação feminina? Será que as deputadas no parlamento não perceberam este facto, antes de vir à tona? Que mecanismos as deputadas usam para salvaguardar a participação efectiva das mulheres no espaço político? Estas e outras questões devem merecer a nossa atenção e reflexão.

Alguma coisa está a faltar. Não é possível que passados cerca de 15 anos de paz e propagação de várias políticas de igualdade, Angola ainda verifica este retrocesso. É importante repensarmos a criação de espaços que possibilitem uma efectiva participação das mulheres na vida política do país, assim como, possibilitar a entrada de mulheres nos referidos espaços de decisão política. Aqui, a importância das eleições autárquicas que abrirão espaço necessário para as mulheres como representantes eleitas das suas comunidades. Por isso, preocupa-nos a ausência de mulheres na gestão dos governos provinciais, porque a representação da mulher no espaço geográfico/administrativo é fundamental para a efectivação do trabalho de base com as mulheres.

Imagem 3: Representação Feminina no Parlamento

Para além disso, é preciso repensar as estratégias adoptadas para a promoção de igualdade: até que ponto as mesmas promovem a alteração das estruturas de poder que oprimem as mulheres?

Tenho consciência que a mudança na condição da mulher em Angola e no resto do mundo passa, essencialmente, pela transformação radical do sistema patriarcal, classista, entre outros, sobre o qual o poder opressor se materializa. A representação política das mulheres nos espaços de decisão é fundamental, mas por si só ela não altera a condição das mulheres na sociedade. Assim, é importante que as mulheres que estão nos espaços políticos formais e na sociedade civil mantenham um diálogo permanente e criem agendas de consensos para que os seus problemas (violência domestica, violência institucional, ec) tenham proteção e visibilidade no parlamento e outros espaços institucionalizados pela política.

Espero que as ministras nomeadas e as mulheres parlamentares, estas últimas mesmo numa minoria reduzida, possam fazer vingar as suas posições de poder para fazer valer, até onde puderem, as principais demandas das mulheres; pondo assim de parte as suas diferenças partidárias em prol de um parlamento mais actuante em prol das demandas do Povo Angolano, que é maioritariamente constituído por mulheres jovens.

Ao Presidente da República, João Lourenço, fica desde já o descontentamento com o não cumprimento da sua promessa, pelo menos no que toca a nomeação das mulheres para cargos de governação provincial. Entendemos que as mulheres vulnerabilizadas estão em todas as províncias, nos vários munícipios; e é partir deste espaço geográfico que a demanda se impõe, porque é lá onde estão as mulheres zungueiras, camponesas, e todas as outras exercem suas actividades. Portanto, necessitamos de uma governação local capaz de perceber as questões sensiveis ao género e intervir sobre elas.

Estes desafios ao Presidente se impõe em função do apelo deixado pelo mesmo no seu discurso de inauguração, onde dizia que "As mulheres são outra importante franja da nossa sociedade que deve merecer a nossa atenção particular. A importância da mulher é tal, que as famílias e as comunidades se ressentem com a sua ausência ou com a sua pequena representação em órgãos de decisão. As mulheres devem ter a oportunidade de ombrear com os homens, seja no acesso à escola, seja no mercado de trabalho, seja na acção partidária ou no exercício de cargos públicos. Aliás, a Declaração Universal dos Direitos Humanos considera o investimento na igualdade de género e no empoderamento das mulheres um factor vital para a melhoria das condições económicas, sociais e políticas nos países em desenvolvimento. A promoção da igualdade de género, que é considerada central nas políticas de desenvolvimento internacional conformes aos objectivos de desenvolvimento sustentável, num quadro de paz social, vai permitir-nos alcançar novos formatos e novos compromissos no contexto da África Austral e da África em geral e à escala global".

É urgente passarmos das palavras à prática. E quem melhor do que o Presidente da República para começar esta mudança? 

 

Sobre a autora:

Cecília Kitombe é assistente social, mestre na área de Políticas e Movimentos Sociais, activista e feminista africana. É membra fundadora e parte do grupo de coordenação do Ondjango Feminista. 

 

 

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