Interface Económica: Comunidades Mineiras, Exploração Sexual de Meninas e Mulheres Jovens
POR MARIA MALOMALO
Resumo
A exploração sexual é uma violação dos direitos humanos que é alimentada por altos níveis de pobreza, pela dependência económica das mulheres, pelas normas patriarcais e expectativas regressivas da sociedade. Embora seja uma prática comum em muitas comunidades dentro e fora de Angola, mulheres e meninas de comunidades mineiras têm a sua vulnerabilidade aumentada. Isso se deve à complexidade das comunidades de mineração como zonas de disputa entre prosperidade económica e violações graves dos direitos humanos. O fracasso em regular as zonas de mineração formais e informais e a falta de vontade política adequada para defender e respeitar os direitos das mulheres e meninas que permanecem nas comunidades mineiras contribuem para o aumento da vulnerabilidade das mulheres, prendendo-as em um ciclo de pobreza. Este artigo analisa a vulnerabilidade das mulheres nas comunidades de mineração, o impacto da Covid-19 e as possíveis estratégias de intervenção para resolver os desafios enfrentados por mulheres e meninas. Baseia-se em uma pesquisa realizada pela Associação Mwana Pwo na província da Lunda Sul, em 2019.
Artigo
Paulina é uma menina de 18 anos que vive com os seus pais e os seis irmãos no município de Samulambo, perto da província da Lunda Sul. Ela vem de uma família relativamente pobre. Os seus pais são camponeses, enquanto que os seus dois irmãos mais velhos são garimpeiros. Ela recentemente testou positivo para o vírus HIV. Durante uma entrevista com a Associação Mwana Pwo, Paulina contou como ela se envolveu em relações sexuais desprotegidas com um “boss” dos garimpeiros para obter ganhos monetários. “Fiz porque vi o sofrimento dos meus pais. Não tínhamos comida. E eu também precisava de postiço e roupas”, disse ela ao entrevistador.
Infelizmente, Paulina não é a única. Em 2019, a Mwana Pwo realizou uma pesquisa qualitativa para determinar até que ponto meninas e mulheres jovens são expostas à exploração sexual em comunidades mineiras. Embora a pesquisa tenha se concentrado principalmente em comunidades de garimpo, os resultados mostraram que os trabalhadores formais exploram mulheres e meninas que moram perto das empresas mineiras. As meninas são muitas vezes enviadas para campos de mineração informais e empresas mineiras formais a fim de trocar produtos agrícolas com produtos básicos, como fuba de milho e peixe seco. É no processo de troca dessas mercadorias básicas que meninas e mulheres jovens são coagidas a se envolverem em relações sexuais transaccionais com garimpeiros, expondo-se ao risco de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV, violência baseada no género, gravidez indesejada e abortos inseguros.
Embora o estudo da indústria de mineração em todo o mundo seja amplamente baseado em seu potencial de receita, uma abordagem baseada em direitos é fundamental para identificar e resolver os problemas sociais que surgem particularmente em relação aos grupos vulneráveis, como mulheres e crianças. Académicos e profissionais, incluindo Katy (2014) em Mulheres, Mineração e Desenvolvimento: Uma agenda de pesquisa emergente, argumenta que a indústria extractiva é um ambiente masculino caracterizado por mais funcionários do sexo masculino, enquanto as mulheres trabalham como equipe de apoio, principalmente nas áreas administrativas e como auxiliares de limpeza. Argumenta ainda que as zonas de mineração reflectem os objectivos capitalistas que se concentram na criação de uma economia baseada em dinheiro e ao lado das áreas tradicionais, como a agricultura. Lahiri-Dutt e Mahy (2008), em seu estudo sobre o impacto da mineração nas mulheres e jovens na Indonésia, observam que:
“Uma mina necessariamente traz e espalha modos económicos capitalistas avançados que causam grandes transformações sociais na área local da mina, incluindo urbanização e modernização. Esses projectos de mineração globalizados e com uso intensivo de capital são bem conhecidos por mudar o tecido social e cultural nas áreas de suas operações em todo o mundo.”
O influxo de uma força de trabalho altamente masculina e o aumento do fluxo de dinheiro resultam em novas dimensões de poder e na ampliação de papéis de género já tendenciosos. Enquanto que os homens estão predominantemente envolvidos no trabalho de força, as mulheres dependem deles em grande medida para a sua sobrevivência económica, no papel de parentes, esposas, namoradas, concubinas ou trabalhadoras de sexo. Além disso, devido à sua dependência dos homens, as mulheres dificilmente têm controlo social ou político, limitando a sua influência na operação das minas e nas prioridades de responsabilidade social nas comunidades da zona de mineração. Katy (2014) e Lahiri-Dutt e Mahy (2008) identificam os principais desafios apresentados pela indústria de mineração:
Casamentos ou relacionamentos transitórios;
Prostituição;
Propagação de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), incluindo HIV / SIDA;
Violência baseada no género;
Exploração e abuso sexual;
Na Serra Leoa, por exemplo, de acordo com um relatório da International Human Rights Clinic (2001), a indústria de extracção é caracterizada por relatos de tráfico de mulheres jovens de outras partes do país, sexo comercial forçado e abuso baseado no género.
Os desafios mencionados acima são igualmente verdadeiros para as comunidades de mineração na província da Lunda Sul. A Mining Review Africa (2019) estima que Angola tem potencial para se tornar o maior país de mineração de diamantes no mundo, com uma estimativa de 180 milhões de quilates encontrados principalmente na Lunda Sul e Lunda Norte. De acordo com a mesma avaliação, o processo de Kimberley relata que, em 2019, Angola extraiu 8,4 milhões de quilates com um valor total de 1,2 biliões de dólares americanos.
Apesar do evidente potencial financeiro do sector de mineração, mulheres e meninas continuam em risco. A província da Lunda Sul tem a maior taxa de gravidez na adolescência do país, fixada em 59,7%, de acordo com o relatório do Multi-Indicador de Saúde (2015-2016). As meninas adolescentes são expostas a esses impactos negativos para a sua saúde e a nível social devido ao conhecimento limitado sobre direitos e saúde sexual e reprodutiva, incluindo o uso de contraceptivos e falta de informações sobre mecanismos de denúncia em casos de abuso ou exploração sexual.
A pesquisa da Associação Mwana Pwo revelou que:
A violência contra as mulheres (do inglês, “Violence Against Women” - VAW) é predominante nas zonas de mineração em forma de violência sexual, violência física e violência económica (relacionada ao acesso das mulheres à terra), levando à violência psicológica e perpetrados por mineiros formais, artesanais e a comunidade em geral. Os trabalhadores das empresas mineiras, garimpeiros (mineiros artesanais) e os “bosses” (financiadores das actividades de mineração artesanais) que se mudam para Lunda Sul sem as suas famílias aproveitam a vulnerabilidade destas meninas e envolvem-se em relações sexuais. O VAW nas zonas de mineração como em outras comunidades está enraizado nos desequilíbrios de poder que existem entre homens e mulheres.
Existe uma correlação entre o patriarcado nas comunidades mineiras e outros sistemas de opressão, incluindo a classe. A maioria das mulheres e meninas das zonas de mineração estão desempregadas, dependendo em grande parte de seus pais, cônjuges e parceiros. Embora a Lunda Sul seja uma zona da indústria extractiva, existem dois extremos nas comunidades relacionados ao acesso a recursos financeiros: a minoria que tem acesso a recursos minerais e, consequentemente, ao poder económico, e a maioria que é pobre e depende da riqueza da minoria. Isso aumenta a vulnerabilidade de mulheres e meninas colocando-as em risco de exploração sexual. As meninas são forçadas a relações sexuais transaccionais para obter ganhos financeiros.
A informalidade das zonas de mineração artesanal resulta na falta de serviços sociais adequados, como escolas secundárias e hospitais bem equipados, o que afecta o acesso de meninas e mulheres aos serviços de educação e saúde de qualidade, deixando-as presas em um ciclo interminável de pobreza e com maus resultados de saúde.
As disputas de terras nessas comunidades afectam principalmente mulheres e meninas, deixando-as sem terra suficiente para o cultivo, que é sua principal actividade económica. Apesar da existência de leis e políticas, a natureza patriarcal das comunidades afecta negativamente o acesso das mulheres à terra, resultando em violência económica.
A realidade acima mostra uma imagem sombria do futuro de mulheres e meninas nas comunidades mineiras. Frequentemente, mulheres e meninas têm acesso limitado a instituições educacionais e oportunidades limitadas, resultando na opção pelo casamento precoce e pelo sexo transaccional como estratégias de sobrevivência. Como visto nas estatísticas sobre a taxa de gravidez na adolescência na Lunda Sul, que é uma causa e um efeito do casamento precoce e forçado, 6 em cada 10 meninas engravidam antes dos 18 anos de idade. Consequentemente, essas meninas são forçadas a abandonar a escola, destruindo as suas perspectivas de garantir empregos competitivos e escapar do círculo de pobreza. A exploração que elas sofrem desde tenra idade gera mulheres adultas com menos poder e mais dependentes da mão de homens frequentemente abusivos.
É neste contexto que a província está enfrentando a pandemia do Covid-19. Embora até à data nenhum caso da doença tenha sido registado na província, o Estado de Emergência, inicialmente decretado no dia 27 de Março de 2020 e as prolongadas duas vezes, trouxe consigo restrições de mobilidade para muitos cidadãos, particularmente aqueles que dependem do sector informal para a sobrevivência. De acordo com o relatório do PNUD sobre o impacto socioeconómico da Covid-19, 72,6 % dos angolanos (71,4% homens e 73,8% mulheres) estão empregados informalmente. As medidas implementadas que limitam o comércio informal aumentam a probabilidade de uma maior instabilidade económica nas comunidades e insegurança financeira nas famílias.
Além disso, devido ao aumento do custo da cesta básica, a permuta, que garantiu o acesso a outras mercadorias para as comunidades rurais, reduzirá significativamente, forçando ainda mais milhares de famílias à pobreza aguda e à fome. As comunidades que estão nas proximidades das actividades de mineração costumavam praticar a permuta para aumentar o acesso a outros produtos básicos.
O facto é que, na maioria das comunidades africanas onde o patriarcado é predominante, meninas e mulheres jovens de famílias pobres correm frequentemente risco de sexo transaccional, exploração e casamento infantil. De acordo com Girls Not Brides (2020) em COVID19 e Casamento infantil e precoce: uma agenda de acção, “evidências de contextos humanitários mostram que famílias pobres que perdem meios de subsistência geralmente têm mais probabilidades de forçar as suas filhas em casamento para aliviar as dificuldades económicas”. Esta observação é composta pelo Plan International, que realizou um estudo sobre a crise do Ébola de 2014, na África Ocidental, cujos resultados indicaram que a pressão económica associada e interrupção da educação poderiam resultar em um aumento na exploração sexual de meninas e mulheres jovens.
Qual é o caminho a seguir para garantir que meninas e mulheres jovens das comunidades mineiras sejam protegidas da exploração sexual?
As políticas e recomendações feitas nas plataformas regionais e internacionais devem se traduzir em políticas e acções tangíveis nos níveis locais. A ênfase deve estar no desenvolvimento de acções práticas locais e na garantia de que meninas e mulheres jovens continuem recebendo o apoio e os cuidados de que precisam.
O governo deve incluir mecanismos e intervenções de protecção social para as comunidades mais vulneráveis, incluindo mulheres e meninas, como parte de sua estratégia de resposta ao Covid-19.
O governo deve estabelecer estruturas legislativas para proteger as mulheres e meninas nas zonas de mineração contra a exploração sexual. O Artigo 6º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), da qual Angola é um Estado Parte, observa que, “os Estados Partes devem tomar todas as medidas apropriadas, incluindo legislação, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres, exploração e prostituição de mulheres.”
Também é necessário investir nas comunidades locais, fornecendo benefícios económicos e sociais equitativos. Governo, empresas de mineração e empresas locais podem facilitar a criação de pequenas e médias empresas por moradores locais, particularmente mulheres que são mais vulneráveis. Isso aumentará a sua independência económica e reduzirá a sua vulnerabilidade.
A autoridade local deve aumentar o número e a eficiência dos centros de saúde nas comunidades mineiras e nos seus arredores, para garantir que mulheres e meninas tenham acesso a informações sobre saúde sexual e reprodutiva. Também é necessário desenvolver uma política sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes que reconheça a necessidade das adolescentes terem acesso a uma educação abrangente sobre sexualidade nas escolas e nas comunidades.
O fornecimento de instalações de aprendizado adequadas para os jovens, principalmente as mulheres jovens, é fundamental para garantir que elas tenham acesso a uma educação de qualidade e, consequentemente, escapem do ciclo de pobreza. Recomendamos que o governo e as empresas de mineração forneçam escolas primárias e secundárias que respondam às necessidades dos habitantes locais. Como alternativa, eles podem investir no fornecimento de internatos para jovens de comunidades mineiras para garantir que estes recebam uma educação de qualidade.
É necessário que o governo, as empresas de mineração e as organizações da sociedade civil conduzam pesquisas contínuas sobre o impacto da indústria de mineração no género, a fim de criar programas que respondam às necessidades específicas das comunidades.
Em circunstâncias normais, meninas e mulheres jovens nas comunidades mineiras correm frequentemente o risco de exploração sexual devido à pobreza. A pandemia do Covid-19 amplia essas deficiências e desafios, colocando-as em maior risco e aumentando ainda mais a desigualdade de género. Para proteger esse grupo vulnerável, há a necessidade de uma maior vontade política do governo Angolano.
Referências Bibliográficas
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Katy, J. (2014). Women, Mining and Development: An emerging research agenda. The Extractive Industries and Society, 1 (22) pp. 329-339, ISSN2214-790X
Lahiri-Dutt, K. e Mahy, P. (sem data). Impacts of Mining on Women and Youth in Indonesia: Two Mining Locations, Disponivel em https://www.banktrack.org/download/ cr3_kld_mahy_impacts_mining_indonesia_pdf/cr3_kld_mahy_impacts_mining_indonesia.pdf (acessado no dia 18 de Junho de 2019)
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The International Human Rights Clinic@ Harvard Law School (2009). Digging in the Dirt: Child miners in Sierra Leone´s Diamond Industry, International Human Rights Clinic, Cambridge