Políticas de protecção à Mulher no mercado Informal

Fotografia de Selma Fernandes

Fotografia de Selma Fernandes

POR INDIRA FÉLIX

RESUMO

O presente artigo trata sobre as políticas de protecção social voltadas para a mulher trabalhadora informal. Tem como objectivo contribuir para o conhecimento da política de protecção social da mulher trabalhadora informal angolana, com vista a repensar a condição desta na sociedade; foi produzido com base numa revisão documental e bibliográfica, assim como com recurso à técnica de observação. A materialização da política social no país ocorre de forma irregular e ad-hoc, talvez reflexo da ausência de uma orçamentação específica relativamente ao número total de mulheres trabalhadoras informais e outros grupos vulneráveis existentes no país. Com isso se indaga quais são os programas e projectos que visam a protecção social destas mulheres. Mostra-se ainda como uma boa política de protecção social voltada para a mulher precisa conhecê-la e visar a materialização dos seus direitos sociais e económicos básicos.

PALAVRAS-CHAVE: Protecção Social; Mulher; Direitos; Trabalho Informal; Venda Ambulante.

INTRODUÇÃO

O presente artigo busca uma aproximação às políticas de protecção social da mulher trabalhadora informal em Angola. Nele entende-se que o ponto de partida e o seu enquadramento começa no âmbito da legislação, do cadastramento e da regulação estatal das camadas mais carentes da sociedade angolana. Mas nesta análise traduzimos a política de protecção social enquanto serviço de responsabilidade estatal, com enfoque no atendimento às demandas (direitos) das mulheres que trabalham no mercado informal, dando ênfase ao que a legislação diz sobre estas, enquanto grupo populacional desfavorecido e mais vulnerável, que precisa da protecção social de base. Assim, a construção deste artigo baseia-se nas seguintes indagações: quais são os programas e projectos que visam a materialização dos direitos destas mulheres trabalhadoras da economia informal? A sua actividade tem amparo legal e também da política social, porém é combatida e os seus sujeitos tratados muitas vezes como criminosos, como se não contribuíssem para a economia do país. 

Com foco na realidade do trabalho informal ambulante, neste artigo o termo “zunga” é utilizado como sinónimo de venda ambulante e é usado para nomear o acto de “zungar”.

Assim, este artigo tem como objectivo contribuir para o conhecimento da política de protecção social da mulher trabalhadora informal angolana, com vista a identificar as acções, os programas e os projectos que visam a materialização dos seus direitos. Como Jean-Jacques Rousseau, podemos referir que o Governo (Estado) ou administração suprema é aquele que reúne o exercício legítimo do poder executivo e de príncipe ou magistrado, o homem ou o corpo encarregado dessa administração deve visar a conservação e a prosperidade dos seus membros, que se materializa pelo acesso a direitos iguais no âmbito do seu número e população total, aquele em que os cidadãos mais povoam e se multiplicam é, infalivelmente, o melhor; aquele sobre o qual um povo decresce e perece é o pior (ROUSSEAU, 2011, p. 62 & 86). 

A construção deste artigo é baseada numa pesquisa documental e também bibliográfica, estando este estruturado da seguinte maneira: após uma nota introdutória, faz uma breve contextualização da realidade da mulher, com recurso aos dados do Censo Geral de 2014 e da legislação sobre o tema; segue retractando as políticas de protecção à mulher trabalhadora do mercado informal, com realce nos direitos destas no âmbito da protecção social; para finalizar traz algumas conclusões e resultados do estudo e aponta caminhos para futuras pesquisas.

Breve Contextualização

Um olhar sobre a condição feminina na sociedade angolana faz recorrência a Montesquieu (2005) na sua obra O Espírito das Leis. Ao referir-se à condição das mulheres nos diferentes governos, o autor faz alusão a que “{...} nas repúblicas, as mulheres são livres pelas leis e cativas pelos costumes {…}” (Montesquieu, 2005, p.113); em Angola isto traduz-se na dificuldade de regulamentação e na operacionalização da lei.

Assim, a Constituição angolana de 2010 estabelece a assistência social como política pública de responsabilidade do Estado e direito dos angolanos e angolanas que dela necessitarem. Contudo, não se tem conhecimento sobre a existência de uma política específica para as mulheres que trabalham no sector informal, apenas programas, projectos e acções ad-hoc em prol das suas demandas.

No que concerne à responsabilidade do Estado pela assistência aos grupos populacionais mais carentes,  a Constituição da República de Angola (CRA), dispõe, no seu artigo 21.º, alíneas b-h, j, k e l), sobre as tarefas fundamentais do Estado, que este deve assegurar direitos, liberdades e garantias fundamentais; criar progressivamente condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos; promover o bem-estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, especialmente, dos grupos populacionais mais desfavorecidos; promover a erradicação da pobreza; promover políticas que permitam tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saúde e o acesso ao ensino obrigatório; promover a igualdade de direitos e de oportunidades, sem preconceitos e discriminação; promover a igualdade entre homens e mulheres, defendendo a democracia e assegurando o incentivo à participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais. 

A Lei Fundamental é mais objectiva no seu artigo 38.º, no qual consagra o direito à livre iniciativa económica, realçando que: 1) a iniciativa económica privada é livre, sendo exercida com respeito pela Constituição e pela lei; 2) a todos é reconhecido o direito à livre iniciativa empresarial e cooperativa, a exercer nos termos da lei; 3) a lei promove, disciplina e protege a actividade económica e os investimentos por parte de pessoas singulares ou colectivas privadas, nacionais e estrangeiras, a fim de garantir a sua contribuição para o desenvolvimento do país, defendendo a emancipação económica e tecnológica dos angolanos e os interesses dos trabalhadores.

Uma incursão sobre a política de protecção à mulher no mercado informal, pressupõe compreender que o país está constituído por 18 províncias, 162 municípios e 559 comunas; sendo que até ao mês de maio de 2014 tinha 25.789.024 habitantes, das quais 13.289.983 são mulheres, representando 52% do total da população do país, isto é, até 2014 a maioria da população angolana era do sexo feminino. (INE, 2016, P.27). 

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O quadro acima mostra como um olhar sobre a mulher angolana em todas as faixas etárias nos conduziria a uma situação real de desigualdade geracional; em todas estas faixas etárias fica claro que a maioria geral é constituída por mulheres. Pensar esta realidade com base nos dados estatísticos muda tudo. Não se sabe ao certo quantas mulheres e quantos homens trabalham no mercado informal em Angola e destes quantos trabalham como ambulantes; isso reflecte também a árdua luta de muitas mulheres que vivem do trabalho informal em Angola, especialmente na capital Luanda. Mas na sua base, expressa uma reiterada desprotecção social.

Esta situação leva-nos a conectar os direitos ao ciclo de vida de uma pessoa, entendendo este como pressuposto importante para se pensar os instrumentos de protecção social. Nesta dimensão é importante pensar a mulher na família e principalmente no seu local de trabalho informal, seja a rua, o mercado, ou outro local. Nesta óptica, é imprescindível ter em conta a necessidade de estes direitos e garantias estarem escritos numa política de protecção social da trabalhadora do mercado informal.

Políticas de Protecção Social à Mulher Trabalhadora do Mercado Informal

Para efeitos deste artigo, entendemos a política pública de protecção social como uma variedade de medidas orientadas para garantir níveis básicos de vida para todos os angolanos e angolanas, com vista à construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. 

Em Angola, preocupa-nos o contexto ideológico-partidário e politicamente adverso que tende a se enraizar na política pública social angolana em época de tendência neoliberal, na qual a mesma tende a ser confundida como sinal de governo socialmente activo, conduzindo a certa insustentabilidade em relação à sua função de concretizar direitos sociais (PEREIRA, 2009, P. 163).

Com base em Pereira (2009, p. 163), chama-se à atenção para a imprecisão conceitual da política social, das suas características e particularidades. A política social precisa de ser clara no sentido de se constituir como mecanismo de protecção social, como meio de concretização de direitos sociais e necessidades humanas, cujo foco precisa ser a preocupação com a melhoria dos serviços voltados para os pobres, na perspectiva de uma cidadania ampliada. Estamos aqui a referir direitos como o direito ao trabalho e à igualdade de oportunidades, à assistência no desemprego e no trabalho precário, à fixação de um salário mínimo nacional, à associação, à participação, ao direito a circulação de pessoas e bens, entre outros. 

Em Angola, a Lei n.º 7/04, de 15 de Outubro –  Lei de Bases da Protecção Social – organiza a protecção social em três níveis diferenciados:

  • Protecção Social de Base;

  • Protecção Social Obrigatória;

  • Protecção Social Complementar.

Apesar de a maioria destas acções estarem concentradas na província de Luanda, é importante referi-las. O artigo 5.º desta Lei, ao retractar o seu âmbito de aplicação, faz menção às pessoas ou famílias em situação grave de pobreza; mulheres em situação desfavorecida; crianças e adolescentes com necessidades especiais; idosos em situação de dependência e isolamento; pessoas com deficiência, em situação de risco ou de exclusão; desempregados em risco de marginalização. É deste modo que se compreendem as iniciativas de protecção social em prol das trabalhadoras informais, que com base em Ngolo (2019) apontamos as seguintes:

  1. O “1.º Simpósio Nacional Sobre a Mulher Zungueira” realizado no dia 25 de Maio do ano de 2017, sob coordenação do Observatório Para Os Direitos Da Mulher (estrutura integrada pelo Clube de Mulheres Angolanas de Carreiras Jurídicas e a Plataforma Mulheres em Acção) e da Comissão Instaladora Do Fórum De Apoio À Mulher Zungueira, com o objectivo de analisar e encontrar soluções para a situação da mulher zungueira e respectiva actividade, com a participação de diferentes actores sociais e das trabalhadoras zungueiras.
    É evidente, porém, que os sujeitos deste estudo são parte da população excedente relativa, a estagnária, aquela “cujo emprego é irregular, eventual, marginal e parte dos que habitam o mundo do pauperismo”, do desemprego (Braverman, 1977, p.328). Esses, que trabalham de forma ocasional, irregular e “marginal” são facilmente confundidos como criminosos e tratados como tal. Vale a pena aqui reiterar a contribuição do estudo de Telles (2010) quando se refere às fronteiras muito tênues e incertas entre o informal, o ilegal e o ilícito.

  2. Em 2016, a Coca-Cola, no âmbito da sua responsabilidade social, criou o projecto “5 by 20” para promover o empoderamento económico de 5 milhões de mulheres empresárias em toda a cadeia de valor global até 2020, visando:

  • Registar as actividades destas mulheres nas Finanças para que os seus rendimentos sirvam de base de matéria colectável;

  • Assegurar um cartão de vendedor ambulante (interface com MINCO);

  • Assegurar que não sejam perseguidas pela Polícia ou Fiscalização devido à falta de documentação;

  • Proporcionar um Check-up médico e vacinas. 

Ao abordar as prioridades no âmbito da política angolana de Emprego e Condições de Trabalho (PDN, 2018-2022), chama à atenção o objectivo de promover a formalização da actividade económica, visando uma melhor estruturação do mercado de trabalho e a criação de condições concorrenciais mais justas; isto através do Programa de Promoção da Empregabilidade e do Programa de Reconversão da Economia Informal, cujos frutos ainda não respondem à demanda de protecção social de muitas das mulheres trabalhadoras informais. É importante referir que estes programas estão sob a tutela do Ministério do Trabalho e Segurança Social (MAPTESS) e a sua materialização surge como prioritária no Plano de Desenvolvimento Nacional, com acções diversificadas, que precisam contemplar a real necessidade protectiva das mulheres, que são a maioria da população vendedora ambulante.

O trabalho informal é, em si, gerador de assimetrias e desigualdades sociais, que tendem a ser reproduzidas, sobretudo, no trato de benefícios como a aposentadoria, inexistentes para a maioria dos sujeitos do caso em estudo, talvez por desconhecimento dos mecanismos para a adesão aos mesmos para a contribuição individual à segurança social. 

Precisa-se compreender que a zunga não está entre as actividades consideradas informais não legais, uma vez que a venda ambulante é prevista no ponto 10 do artigo 4.° da Lei n.° 1/07, de 14 de Maio, sobre as actividades comerciais, que passamos a citar: 

“Comércio ambulante - é a actividade comercial a retalho não sedentária, exercida por indivíduos que transportam as mercadorias e as vendem nos locais do seu trânsito, fora dos mercados urbanos ou municipais e em locais fixados pelas administrações municipais.

Quem pretender dedicar-se à venda de objectos em locais públicos ou ao fabrico caseiro de produtos alimentares com fim lucrativo, deverá previamente solicitar licença ao governo da província, mediante pagamento da respectiva taxa sob pena do pagamento de Kz. 300,00 de multa.

Não poderá ser concedida a licença para começo de laboração sem prévia informação favorável da Direcção Provincial da Saúde”. 

(Angola. Lei n.º 10/87, de Junho de 2008, p. 45). 

O regulamento sobre o exercício da venda ambulante em Angola atribui à Administração Municipal a responsabilidade de autorizar o exercício da venda ambulante na sua circunscrição, mediante a emissão de um cartão de vendedor, cuja validade não deve ser superior a um ano. O mesmo regulamento (Artigos 3.º e 4.º) prevê também que para a emissão deste cartão os interessados devem reunir os seguintes requisitos:

  • Elaborar um requerimento, de acordo com norma própria, com selo fiscal correspondente;

  • O requerimento deverá conter a identificação do requerente, ter anexada fotocópia do bilhete de identidade, duas fotografias e cartão de sanidade no caso de venda de produtos alimentares.

Todo esse cenário legal, na prática, se apresenta moroso e, como nos parece desconhecido pela maioria desta população, não parece ser a via usual para o exercício da actividade, deixando margem para abusos de toda a ordem por parte dos fiscais, dos agentes públicos e até das trabalhadoras. Isso não anula o facto de que, em seu quotidiano de trabalho, algumas trabalhadoras ambulantes respeitam os princípios aí prescritos, conforme podemos aferir em estudos feitos por Monteiro (2012), Samba (2012) e outros.

A Conferência Internacional do Trabalho realizada em Filadélfia em 1944 adoptou uma declaração, actualmente anexa à Constituição, que proclama que “ todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm direito a realizar o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade, dignidade, segurança económica e com oportunidades iguais”. A declaração afirma igualmente que “a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos”. (ILO, 2007, p. 18).

À semelhança do que retracta Cecchini (2015), em Angola, apesar de que o mercado tem tido grande influência na vida das pessoas, o Estado ainda tem um papel central em matéria social e na noção de direitos como fundamento da política pública, adquirindo cada vez mais força, ao menos no discurso, embora não necessariamente no desenho e na regulamentação e implementação da política. 

“Se amplían asimismo las fronteras de la protección social: nuevos problemas y riesgos sociales son incorporados dentro del abanico aceptable de intervención estatal y se ponen en marcha nuevos servicios, transferencias monetarias y regulaciones. Aun cuando persisten grandes brechas, los esfuerzos por extender la cobertura de la población adquieren centralidad y la apuesta por disminuir la segmentación en el acceso y la calidad de las políticas de protección social gana nuevos adeptos. A su vez, la ampliación de la elegibilidad y la cobertura de la población en los sistemas de protección social es acompañada por esfuerzos fiscales y reformas en la arquitectura de los mismos sistemas.” (CECCHINI, 2015, p. 26).

Nesta perspectiva, podemos aferir como necessária a ampliação das fronteiras da protecção social, se se pretende pensar a protecção social da mulher trabalhadora informal em Luanda. A presença de novos problemas atinentes a esta demanda pode ser impulsionadora da criação de novos serviços pelo Estado, quer do ponto de vista das transferências monetárias, como da regulação e fiscalidade do sistema de protecção.

À semelhança desse tipo de ajuda que precisa ser estudada e programada com critério, precisamos focar que estamos a lidar com vidas, com a história de cada sujeito que carece de ser desvendada; a busca do zungueiro e da zungueira pela sobrevivência familiar, mas também pela sua autonomia e realização. Isso pode contribuir para a luta quotidiana deste segmento populacional pelo “Direito a ter Direitos”, de tal modo que não sejam ‘‘privados de um lugar no mundo’’. Sem uma cultura de defesa e efectivação de direitos as pessoas tornam-se ‘‘privadas não do direito à liberdade, mas do direito a ação; não do direito a pensar o que querem, mas do direito à opinião’’ (TELLES, 2006:60).

O Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022 aponta que a taxa média estimada de desemprego no período 2009-2014 foi de 22,0%, muito próxima da meta fixada na Estratégia de Desenvolvimento de Angola 2025 para 2015. Os dados do Censo de 2014 apontam que a taxa de desemprego, a nível nacional, era de 24%, sendo 25% para mulheres e 24% para homens. Em 2014, esta condição atingia mais severamente os grupos etários mais jovens (no grupo 15-19 anos, as taxas de desemprego ascendiam a 47% para homens e 44,6% para mulheres): em cada dois jovens, um estava desempregado, o que pode potenciar uma situação social de elevada complexidade. No grupo etário seguinte (20-24 anos), em cada três jovens um estava desempregado. 

Infelizmente, é importante referir que para efeitos deste estudo, o trabalhador informal é considerado desempregado, uma vez que no âmbito do classificador de profissões em Angola, o trabalho informal ambulante é considerado improdutivo para as necessidades do capital.

A protecção social apresenta-se como um conjunto de medidas que precisam de ser inovadoras, reflectir o desenvolvimento do país e, principalmente, ser um contributo para a materialização dos direitos sociais, económicos e políticos dos beneficiários. Pensar estes beneficiários dos programas de protecção social significa olhar para a família com filhos, na qual a trabalhadora informal é matriarca, filha, sobrinha ou avó. Neste modo de ver, é importante pensar a variedade e qualidade destes programas, que precisam de ir além da mera transferência de renda; pensar esta transferência como um mecanismo de promoção de direitos, de construção da cidadania no seio destas mulheres membros das famílias beneficiárias. Isso pressupõe uma real busca de sinergia entre sectores como o Masfamu, os Ministérios do Comércio, da Educação, da Saúde, dos Antigos Combatentes, do Trabalho e outros que integrem a política social angolana.

Um olhar sobre os objectivos de desenvolvimento sustentável definidos pelas Nações Unidas, chama à atenção para a erradicação da pobreza (1), igualdade de género (5) e a redução das desigualdades (10), pois é impossível isso acontecer sem se concretizar medidas de protecção social destas trabalhadoras informais.

“A protecção social, política pública de forte calibre humano, carrega marca genética que a torna um tanto distinta de outras políticas sociais. Seu campo de acção não se refere, propriamente, à provisão de condições de reprodução social para restauração da força viva de trabalho humano. As atenções que produz constituem respostas a necessidades de dependência, fragilidade, vitimização de demanda universal porque próprias da condição humana. Porém, o modo pelo qual essa demanda é reconhecida e incorporada, as respostas que obtém, no âmbito público ou privado, decorrem de valores, mais, ou menos, igualitários da sociedade para com seus cidadãos”. (SPOSATI, 2013, 653).

Assim, pensar a protecção social da mulher trabalhadora informal no contexto angolano, é vislumbrar um mosaico de respostas desiguais a partir da precariedade do seu trabalho e da sua remuneração, dependente do rendimento diário de uma relação desvinculada.

Para Sholkamy (2017, p. 24), as trabalhadoras informais são, frequentemente, sujeitas à discriminação de género e ao preconceito, recebendo baixos salários e poucos benefícios.  Em Angola, o MAPTESS incluiu a protecção ‘‘obrigatória’’ para as trabalhadoras domésticas. Esta iniciativa de protecção social é um esforço louvável – talvez mais direccionada para a mitigação da insegurança de renda de mulheres vulneráveis em idade economicamente activa, mas com efeitos limitados pela falta de sinergia com outras políticas de protecção social já implementadas – porém, ainda com pouco impacto na vida destas, dada a pouca funcionalidade do seguro desemprego.

Considerações Finais

Depois desta abordagem, chega-se à conclusão que em Angola muitas mulheres trabalhadoras domésticas permanecem sem registro na Segurança Social, principalmente em razão do descumprimento generalizado da lei por parte dos empregadores, pois a cobertura para trabalhadoras domésticas ainda depende do registro realizado pelos empregadores no Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Sem benefícios de desemprego pagos em caso de demissão dos funcionários, muitos trabalhadores angolanos quando ficam desempregados caem imediatamente num ciclo de insegurança social, de desprotecção social.

Este artigo deixou claro que a protecção social está centrada na ideia de garantia da satisfação das necessidades básicas e de asseguramento de atendimento em situação de riscos sociais derivados dos problemas sociais. Mostrou também que a protecção social à mulher trabalhadora informal precisa de ser criada como política e ser capaz de responder às situações de risco como o desemprego e a incapacidade, mas também a problemas estruturais como a pobreza e a desigualdade. A sua construção deve ser de acordo com os problemas sociais vivenciados por estas mulheres, sendo que em situações emergenciais a sua materialização é esperada, no âmbito do serviço social, em forma de assistência social, como se deveria verificar nesta época de epidemia da Covid-19. Porém, não abarca todas as áreas da política social; esta protecção seria apenas uma componente desta política, assim como as políticas sectoriais referentes à saúde, educação, serviço social e habitação.

Chegamos à conclusão de que estas políticas não existem como tal, mas de forma ad-hoc, dispersa em diferentes órgãos ministeriais com acções aparentemente desconexas, inseridas em diferentes programas e projectos, muitos destes sem garantia de continuidade e sem acompanhamento. Assim, o objectivo deste artigo em contribuir para o conhecimento da política de protecção social à mulher trabalhadora informal angolana, com vista a repensar a sua condição na sociedade, foi alcançado na medida em que foi possível identificarmos alguns programas e projectos em curso como é o caso do programa de reconversão da economia informal e outros, a constituição da política de protecção social de base, obrigatória e especial, com maior enfoque para a primeira, na dimensão de atendimento a direitos que visam necessidades primárias, que precisam ter em conta o ciclo de vida de cada mulher.

Portanto, trata-se de um breve ensaio, que mais do que uma construção teórica, constitui uma semente, um agitar das águas em prol de novos estudos neste domínio e que partam da realidade destas mulheres. 

Referências Bibliográficas

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