Violência Doméstica em tempos de isolamento social
POR LEOPOLDINA FEKAYAMÃLE
Nos últimos dias, as nossas dinâmicas de vida foram alteradas pela necessidade de isolamento social para conter a pandemia originada do vírus Covid-19. Essas alterações nas dinâmicas de vida as quais estávamos habituados têm exigido de nós adaptações a diferentes situações. Para as mulheres, em particular, a necessidade de isolamento social veio acentuar diferentes experiências que, antes do surgimento da pandemia, já tinham grande impacto sobre as suas vidas. Essas diferentes experiências estão ligadas a vários tipos de violência como, por exemplo, a violência institucional, sexual e a doméstica. Várias entidades que trabalham e advogam pelos direitos humanos pelo mundo têm vindo a alertar para a necessidade de os Órgãos dos Estados prestarem mais atenção às condições de vulnerabilidade das mulheres que se agravam em momentos como este, em que se vive uma situação pandémica.
As mulheres têm sido, desde antes do surgimento desta pandemia, um dos grupos mais vulneráveis no que diz respeito à violência. E nestes dias em que o distanciamento social e as limitações nas liberdades de circulação são medidas necessárias, em simultâneo, estas mesmas medidas constituem-se como condições convenientes à prática de violência contra as mulheres sob várias formas e, nesta abordagem, o nosso foco vai para a violência doméstica por ser também um dos principais problemas que impacta as vidas de mulheres e meninas em Angola. Temos, nestes dias, inúmeras vítimas de violência doméstica à mercê dos seus agressores, sendo que passam muito mais tempo com os mesmos em função do contexto actual. Agressores têm agora mais tempo, mais espaço e mais possibilidades de manobra sobre as suas vítimas, ao mesmo tempo, as vítimas têm menos possibilidades de movimento e de recorrer à ajuda fora de casa.
A maior parte de nós, em Angola, conhece casos de violência doméstica, tanto os que são noticiados pelos órgãos de comunicação social como os que vamos tendo conhecimento a partir de pessoas que nos são próximas. Muitos destes casos acabaram em mortes para as mulheres e até nos levaram a várias manifestações de repúdio a nível das redes sociais, da comunicação social e de marchas pelas ruas. Muitas mulheres e meninas neste país, infelizmente, entraram para os números de estatística das vítimas de violência doméstica: foram alvos e deixaram-nos. Logo, é preciso que nesse processo de tomarmos medidas para conter a pandemia, tenhamos também atenção a este problema recorrente para que as estatísticas não ganhem mais números dando conta de mulheres que foram agredidas, estupradas e mortas dentro das suas próprias casas por aqueles que se sentavam à mesa com elas.
A ASSOGE (Observatório de Género), desde o início da imposição das medidas institucionais para frear a pandemia, tem vindo a desenvolver nas redes sociais a campanha “Quarentena sem violência doméstica”, bem como tem alertado para que todos prestemos uma maior atenção a questão da violência doméstica nessa altura. Este alerta da ASSOGE é mais do que legítimo. Soma-se ao alerta um pedido da organização para que as autoridades angolanas criem uma linha telefónica que possa ser usada pelas vítimas para denunciar abusos nessa época sendo que, pelas redes sociais, de acordo à ASSOGE, já começam a surgir denúncias de casos de violência doméstica. Temos todos a responsabilidade de apelar para que os nossos órgãos de segurança do Estado acautelem estas situações. É preciso que se disponibilizem contactos de emergência para as vítimas e as pessoas próximas a fim de puderem denunciar e expor situações do género. Além das vítimas e das pessoas próximas, qualquer um de nós que tomar conhecimento deve tomar a iniciativa de denunciar pois a violência doméstica é considerado um crime público, logo, também está em nossas mãos destapá-lo e exigir que se tomem medidas sobre ele.
É certo que estamos num período complicado, mas é importante que “os direitos humanos não durmam”, não sejam negligenciados. É importante que os direitos humanos para as mulheres, a todos os níveis, continuem a ser assegurados.
Não está fora do nosso alcance criar redes de contacto e apoio às vítimas de violência doméstica nessa altura – lembremo-nos que isto pode salvar vidas. Também, não está fora do nosso alcance que, a longo prazo, se tomem medidas institucionais sob diferentes perspectivas para o tratamento de casos de violência doméstica tais como: formações para os órgãos de segurança do Estado que dêem forte ênfase aos direitos humanos e sejam sensíveis às questões específicas ligadas às mulheres, sendo que, muitas vezes, estes órgãos são os que têm o primeiro contacto com os casos de violência antes de os passarem aos órgãos de justiça; a criação de mais abrigos para as vítimas de violência doméstica; e a definição de políticas públicas que promovam reflexões e acções em torno da desconstrução de papéis de género que colocam as mulheres em posições tendentes a torna-las os principais alvos da violência doméstica.
Independentemente do contexto actual, temos a responsabilidade política e social de não ignorarmos o facto de que as condições para a prática de violência doméstica são agora bem mais favoráveis aos agressores do que antes, portanto, reiteramos o apelo e a necessidade da criação de linhas de contacto e apoio directo dos órgãos de segurança do Estado para atender a quem precise. Reiteramos o apelo para continuarmos todas e todos a contribuir para um país em que meninas e mulheres não sejam mais alvo de nenhum tipo de violência só por existirem como mulheres.