"Sou pelos direitos das mulheres mas não sou feminista"

POR CECÍLIA KITOMBE 

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Pensar as questões à volta dos direitos das mulheres é um exercício complexo, que demanda uma contínua analogia das diferentes estratégias criadas para acabar com as desigualdades de género. Parece haver um consenso sobre o qual a luta pela garantia dos direitos das mulheres se efectiva na medida em que toda a sociedade estiver engajada para a mesma.

No contexto cultural, político, económico, social e histórico de Angola, é mais do que plausível que as cidadãs e os cidadãos tenham dificuldades em identificar-se com a ideologia feminista. Assim sendo, demarco aqui duas dimensões para a compreensão do feminismo no contexto angolano: a primeira tem que ver com a identificação do feminismo enquanto corrente ideológica e política, que luta contra todas as estruturas sociais de poder que subalternizam a mulher; e a segunda dimensão tem que ver com a auto-nomeação “feminista”, como sendo uma demarcação importante na arena política onde se coloca em acção o engajamento pessoal e colectivo em defesa dos direitos humanos das mulheres.

A primeira dimensão demonstra que as pessoas se identificam com a causa feminista, dizem-se defensoras dos direitos das mulheres. Muitas vezes ouvimos de algumas dessas pessoas frases como “apoio a luta das mulheres”, “as mulheres devem se emancipar”, mas na hora de assumir o ónus da causa, revelam-se autênticas guardiãs do sistema patriarcal, sobre o pretexto de não quererem entrar em confronto com as estruturas de poder, desresponsabilizando-se do seu lugar na luta e assumindo assim uma postura favorável ao sistema instituído.

O feminismo não é uma corrente coerciva. Sendo assim, ninguém é obrigada a se auto-denominar feminista, porque a identificação pressupõe uma prática, ou seja, impõe que no nosso quotidiano nos façamos algumas questões, tais como: “até que ponto tenho apoiado a luta feminista? Que acções tenho desenvolvido no seio familiar e social que me aproximam dos valores e respeito pelas mulheres, enquanto sujeitas detentoras de direitos? Qual tem sido a minha abordagem sobre o papel da mulher na sociedade? Até que ponto o que exteriorizo contribui para as desigualdades de género?” Ao nos auto-identificarmos como feministas, entendemos haver uma necessidade de potencializarmos a coerência entre o discurso e a prática.

Reflectir sobre as questões acima torna-se urgente e necessário, sendo que as sociedades tendem a absorver alguns processos sociais que muitas vezes não garantem uma análise sistemática do conteúdo das transformações. Ou seja, é necessário estarmos atentos às mutações, permitindo que as pessoas possam apropriar-se das mudanças de forma consciente. Por exemplo, porque será que é mais confortável auto-nomear-se “pró-direitos das mulheres” ou “pela igualdade de género” e não “feminista” ou “pró-feminista”? Hipoteticamente, julgo que é pelo facto dos termos “ direito” ou “género” terem encontrado um respaldo discursivo, ficando bem a qualquer um o uso das referidas expressões, e denotando formalmente o respeito pelos direitos humanos, mesmo quando muitas vezes se ignora o contexto originário das expressões em causa. Por exemplo, quando falamos da “igualdade de género”, estamos a legitimar uma das expressões básicas do fundamento feminista, mas infelizmente essa expressão foi negligenciada do seu contexto, para servir de jargão nos discursos sobre “género e desenvolvimento”, sem um diálogo consistente com a transformação das estruturas de poder.

É bastante presente na nossa sociedade um discurso de género que reforça a função reprodutora da mulher, reduzindo-a ao espaço privado/familiar. Muitos cidadãos/cidadãs quando são chamados a opinar sobre os direitos das mulheres em diferentes espaços da comunicação social atribuem à mulher a condição de sujeito que deve apropriar-se do espaço público (ex.: formação, ocupação de cargos públicos, trabalhar fora de casa), mas aludem para que a mesma não esqueça a sua “essência”. Indo mais afundo, as mesmas pessoas geralmente afirmam que a essência da mulher é cuidar da casa, dos filhos e do marido, atribuindo-lhe a tarefa de “dona de casa”, como se isso, fosse uma condição ligada aos factores biológicos da mulher ao invés da construção social dos papéis de género inscritos na divisão sexual do trabalho.

O feminismo é uma corrente teórica que nos auxilia na compreensão das desigualdades entre os géneros, contando que existem outras abordagens, cujo objectivo final é o pleno exercício da cidadania e autonomia feminina. Penso que o diferencial está na escolha metodológica que, ao meu ver, o feminismo nos dá em modo de instrumentos capazes de promover questionamentos sistemáticos e profundos à volta da condição da mulher. Ao fazê-lo, cria alguns abismos necessários, divide vozes, quebra silêncios, afasta as pessoas das suas zonas de conforto e traz ao de cima as causas invisíveis da dominação que privilegia o sistema patriarcal e os comportamentos machistas. Sendo assim, entendo que tais consequências são necessárias para que se consiga a ruptura com o pensamento hegemónico que há seculos estigmatiza e descrimina a mulher.

Tenho ouvido quase sempre a presente frase: “Sou pelos direitos das mulheres mas não sou feminista”. Interpreto-a de diversas formas mas pela minha experiência pessoal percebo que há uma ideia distorcida e generalizada sobre o que é ser feminista. Parece-me que não há uma objectividade na reflexão em torno da mesma que possibilite diálogos construtivos, com vista a reforçar a compreensão da ideologia feminista no nosso contexto. Há ainda uma corrente “anti-feminista” que, erroneamente, tenta aludir que o “feminismo” é o contrário do “machismo”. Quando isso acontece, fica evidente a falta de clareza conceptual no seio da sociedade sobre as questões que envolvem as relações sociais entre homens e mulheres, o que nos leva a fecharmo-nos ao ponto de não percebermos as demandas feministas e a contribuição que cada um de nós deve empreender para a construção de uma sociedade mais justa. Isto precisa mudar!

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