A LUTA CONTINUA!

POR ÂUREA MOUZINHO

Foto: Âurea Mouzinho (c) 2017 - Faixa da Marcha pela Despenalização do Aborto

Foto: Âurea Mouzinho (c) 2017 - Faixa da Marcha pela Despenalização do Aborto

Nesta mesma altura no ano passado, era anunciado por vários órgãos da imprensa angolana que o novo Código Penal angolano a ser aprovado na Assembleia Nacional poderia criminalizar, em absoluto, a interrupção voluntária da gravidez (aborto).

Indignadas, saímos às ruas para reivindicar a despenalização e o acesso ao aborto seguro como um direito fundamental das mulheres, realçando os custos sociais, económicos, psicológicos e humanos dos abortos clandestinos e inseguros.

Lembrámos que ao ratificar o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos Direitos das Mulheres em África (Protocolo de Maputo – Resolução no 25/07), o Estado Angolano comprometeu-se a permitir abortos médicos em casos de agressão sexual, violação, incesto e quando a gravidez põe em perigo a saúde mental e psíquica da gestante ou do feto (artigo 14.º, n.º 2, alínea e) do Protocolo de Maputo). Assim, a nossa demanda mínima era que o novo Código Penal incluísse essas excepções, que são salvaguardadas pela Constituição da República de Angola, no seu artigo 26.º, relativamente ao âmbito dos direitos fundamentais.

Fruto das conversas, dos debates e da indignação colectiva que mobilizou mulheres e homens para marchar no dia 18 de Março de 2017, o voto da Assembleia Nacional sobre o novo Código Penal foi adiado indefinidamente.

Ontem, 28 Fevereiro de 2018, o Telejornal da Televisão Pública de Angola (TPA) anunciou que, após 132 anos, o Conselho de Ministros apreciou e aprovou um novo Código Penal que, como o seu predecessor, continua a criminalizar a interrupção voluntária da gravidez, mas ao contrário do mesmo, permite a interrupção da gravidez quando se verifiquem as excepções acima indicadas.

Essas notícias foram encorajadoras, e souberam um pouco a vitória. Que uma mobilização de cidadãs e cidadãos tenha conseguido assegurar que não fossem feitos retrocessos nos direitos das mulheres é um feito louvável em si. Num contexto onde mulheres de várias partes do mundo continuam a lutar para ter pelo menos essas excepções, estas notícias encorajam-nos para continuarmos esta luta.

Aliás, que a luta continua, e em várias frentes, é a única certeza que temos neste momento.

Se por um lado as notícias foram agradáveis, por outro deixaram-nos confusas. Como nos fez lembrar a companheira Sizaltina Cutaia ontem no chat do Ondjango Feminista “a aprovação do Código Penal é reserva exclusiva da Assembleia Nacional”, nos termos do artigo 164.º, alínea e), da Constituição da República de Angola (CRA).

Então, o que é que a TPA quis dizer ao anunciar que o Conselho de Ministros aprovou um diploma que versa sobre uma matéria fora da sua competência? Que o Conselho de Ministros se sobrepôs à Assembleia Nacional em matéria de legislação? Caso não, o novo Código Penal ainda passará pela Assembleia Nacional? Quando será isso? Há possibilidades de alterações? Estas são questões importantes que precisam de resposta por parte da TPA, do Conselho de Ministros e da Assembleia Nacional. 

Ainda que o novo Código Penal seja aprovado pela Assembleia Nacional sem alterações consoante à matéria do aborto, como nos lembrou a companheira Cecília Kitombe ontem, “o trabalho daqui para frente será árduo. Precisamos popularizar, orientar e monitorar o cumprimento das excepções no novo Código Penal. Imaginemos os critérios a que uma mulher terá que ser submetida até comprovar que foi violada, etc?”

Precisamos de exigir estruturas e profissionais que estejam preparados para o efeito. Precisamos continuar a reforçar que os direitos só se efectivam com a concepção de políticas públicas justas, com a devida alocação orçamental e respectiva implementação.

Ao mesmo tempo que fazemos isso, precisamos assegurar que nunca perdemos de vista a nossa verdadeira pauta: a despenalização e o direito ao aborto seguro. 

A falta de retrocesso não representa um avanço, e será nas margens das excepções que mulheres e meninas, principalmente as mais pobres, continuarão a sofrer e a morrer por conta de abortos inseguros e clandestinos.

Por todas elas, continuaremos a enfatizar que CRIMINALIZAR MATA! 

Anterior
Anterior

"Sou pelos direitos das mulheres mas não sou feminista"

Próximo
Próximo

Dentro do chat do Ondjango Feminista: Uma Conversa sobre o Conselho da República