Vozes de Resistência: Nanda, zungueira
Nanda é uma angolana de 52 anos, que nasceu na província de Malanje, mas a residir na província de Luanda há alguns anos, no município do Cazenga, no bairro Kalawenda. Tem 4 filhos com os quais vive, é viúva e a única que sustenta a casa. Tem o ensino médio concluído. Nesta entrevista, ela responde-nos a várias questões sobre o seu quotidiano e, deste modo, faz-nos conhecer os vários desafios que enfrenta na luta pela subsistência da sua família.
Ondjango Feminista (OF): Olá, Nanda! Como está?
Nanda: Estou bem, obrigada.
OF: Agradecemos por nos ceder esta entrevista para partilhar parte da sua história connosco. Podemos começar?
Nanda: Podemos sim.
OF: De quem é a responsabilidade do trabalho de cuidado em sua casa (quem trata da casa, das crianças)?
Nanda: Na minha casa, o trabalho de cuidado é responsabilidade de todos.
OF: Como é feita a divisão de tarefas em sua casa?
Nanda: Todos nós fazemos as tarefas, não importa se é menino ou menina.
OF: Como acha que a distribuição de tarefas dentro de casa deveria ser feita entre as meninas e os meninos?
Nanda: Eu acho que não devia existir essa coisa de distribuição de tarefas entre meninos e meninas – falo isso por causa da minha própria experiência em casa. Por exemplo, eu só tenho uma menina e os meus outros filhos são rapazes, se eu fizesse separação entre o que é trabalho de menina e o que é trabalho de menino conforme se tem feito, então a minha única menina ficaria sobrecarregada. Por isso, na minha casa, adoptei a regra de que cada um de nós tem de fazer todo tipo de trabalho.
OF: Qual é o tempo que sobra para cuidar de si ou das suas coisas pessoais?
Nanda: Não costumo ter tempo para mim. Normalmente, o único tempo que arranjo é o de arrumar a roupa no sábado para domingo ir à igreja.
OF: Há quanto tempo vende e por que é que decidiu vender?
Nanda: Vendo desde 1984, que foi o ano em que cheguei a Luanda vinda de Malanje. Decidi vender porque a zunga foi o meio mais fácil de subsistência que encontrei. Também, encontrei na zunga pessoas com amor, que não precisam de muito para te ajudar. Nesse processo aprendi que as mulheres na zunga são bastante solidárias, se ajudam muito não só pelo dinheiro, mas pelo amor e carinho que demonstram umas pelas outras.
OF: Por que razão escolheu essa modalidade de negócio?
Nanda: Quando cheguei aqui em Luanda a prioridadade era estudar, mas não consegui estudar por causa da separação dos meus pais. Eu tinha 15 anos e vinha com mais quatro irmãos de Malanje, sem os pais. Tinha que me desenrascar para prover o nosso sustento e o primeiro negócio que fiz foi vender cebola e alho na zunga.
OF: Quais são os produtos que comercializa actualmente? O que vende?
Nanda: Já vendi vários produtos desde cebola, tomate, pão, manteiga e açúcar, mas actualmente zungo sabão.
OF: Como é que os adquire? Tem de pagar logo por eles ou pode pagar depois de os ter vendido?
Nanda: Quando eu vendia pão, por exemplo, para a compra do produto havia senhoras que já me conheciam e davam 100 pães sem eu precisar pagar na hora. Eu levava o dinheiro no dia seguinte e ficava apenas com 1000kzs. No caso do sabão, eu me associo a outras mulheres para comprar os produtos e produzimos o sabão em casa mesmo, depois vendemos.
OF: De que forma preferia fazê-lo e porquê?
Nanda: Eu preferia que tivesse alguém específico que me pudesse ajudar. Gostava de ter alguém a ajudar-me investindo no meu negócio durante um tempo, para que eu pudesse desenvolver mais e conseguisse ter mais lucro. É muito difícil trabalhar com o dinheiro dos outros, pareces uma presa e ficas mesmo preocupada com o dinheiro alheio. Quando uma zungueira vê que não tem nada fica mais preocupada, acabamos por acordar às 03h da madrugada para repor o dinheiro que não nos pertence.
OF: Vende no local onde vive? Ou precisa de se deslocar?
Nanda: Vendo mesmo no bairro onde vivo. As pessoas até já me atribuíram um nome, chamam-me de “sabão e omo”. Zungar exige que façamos e aceitemos algumas brincadeiras para as pessoas gostarem de nós, senão o negócio não anda.
OF: Qual é o seu rendimento diário? E mensal?
Nanda: O rendimento é mesmo o que nós usamos para o fogareiro não ficar apagado, para ter alguma comida em casa dia-a-dia. Mas às vezes faço 1.500kzs por dia.
OF: Em que mais gasta o seu rendimento?
Nanda: Na alimentação e em energia eléctrica porque o sistema aqui é pré-pago.
OF: Consegue fazer alguma poupança pessoal ou algum investimento?
Nanda: Sim, uma pequena poupança. Nos 1.500kzs tenho que fazer os possíveis de guardar pelo menos 100kzs diário, para posteriores necessidades (como a energia elétrica).
OF: Quais são as principais dificuldades que encontra para exercer a venda?
Nanda: Como actualmente vendo sabão, a primeira dificuldade é a compra do óleo que está muito caro. E a segunda é a compra da principal matéria prima para produzir o sabão, que não está a ser vendida porque nesta época de Estado de Emergência por causa da Covid-19 as pessoas só estão autorizadas a vendar comida.
OF: Como é que a crise que o país vive afectou o seu negócio?
Nanda: Afectou e afecta não só o meu negócio, mas também a minha vida e família no geral. As minhas irmãs são zungueiras também e ainda contam comigo para lhes ajudar. E nessa realidade actual eu tenho dois medos, um é morrer com a fome e o outro é morrer por causa dessa doença. Quando começou essa crise no país, cheguei a perder um filho que morreu de fome. Já chegamos até ao ponto de apanhar kizaca, lavar e moer com a boca para podermos comer. Essa crise vai continuar a afectar muito as zungueiras que são a camada baixa. Porque a maioria das zungueiras que temos são de camada baixa.
OF: Quais são as alternativas que tem encontrado nesse contexto de crise?
Nanda: É mesmo só encontrar formas de sobreviver. Arranjei duas bananeiras e plantei no meu quintal, também plantei rama de batata e é o que às vezes tiramos para comer.
OF: Como faz para contornar as dificuldades?
Nanda: A única coisa que continuo a pensar em fazer é mesmo produzir sabão para dar volta às dificuldades.
OF: Como gostaria que a venda fosse feita?
Nanda: Gostaria que eu pudesse vender na minha porta.
OF: Que tipo de apoio o governo deveria vos dar?
Nanda: O governo deveria procurar as associações civis, cadastrar pessoas que têm dificuldades e ajudar a cada família com pelo menos uma cesta básica, porque nós aqui é que estamos diante das famílias e pessoas que realmente sofrem.
OF: Está satisfeita com o que faz? O que gostaria de fazer além disso?
Nanda: Sou muito alegre com aquilo que faço. Já dei aulas na alfabetização e eu dizia sempre às senhoras que é preciso coragem para se organizar. Também gostaria de ter já um dinheiro e abrir um empreendimento onde pudesse exercer actividade económica. Tenho uma máquina de costura, já sei fazer sabão, o que está a me faltar é mesmo só o dinheiro para desenvolver estas coisas.
OF: O que tem a dizer da actuação da fiscalização? Como acha que devia proceder?
Nanda: Os fiscais procedem mal. Eles não podem escorraçar as zungueiras como têm feito. Deveriam ter amor e ser mais pedagogos, os fiscais precisam de formação.
OF: As mulheres, mais do que nunca vêm reivindicando os seus direitos, têm resistido a todo o tipo de obstáculo que se apresenta e à violência que sofrem. Acha que estão a fazer bem? Essa luta vai trazer alguma mudança? O que acha que se podia fazer mais, por exemplo, no que diz respeito ao negócio da zunga?
Nanda: É importante que as mulheres reivindiquem os seus direitos, calarmos também não está bem. Vai trazer alguma mudança sim, na verdade até já temos mudanças. Por exemplo, aqui na nossa associação tem senhoras que já não choram e agem, já não aceitam se manter caladas diante dos problemas. Acho que para o negócio da zunga deveria haver palestras, tanto para a zungueira como para o fiscal porque muitos deles não sabem como agir. Seria bom que existissem palestras e folhetos a dizer como o fiscal deve proceder e como a zungueira deve se comportar.
OF: Deixou de fazer alguma coisa que gostava de fazer porque teve de ir vender?
Nanda: Sim. Tive de parar os meus estudos na 4º classe para retomar já na idade adulta. Apareceram-me algumas oportunidades que não pude agarrar porque tinha mesmo que ir à zunga – primeiro está a fome.
OF: Como se vê daqui a 5 anos? Como gostaria de se ver daqui a 5 anos?
Nanda: Gostava de me ver como alguém que ajuda as pessoas por meio da palavra. Gostava de ser uma palestrante e motivadora, falando da minha experiência para outras mulheres. Gostava de passar a minha experiência para que não fique só comigo porque acho só falar na praça não chega.