Eu queria viver num mundo onde o feminismo não existisse…

Artista: Billie Zangewa (http://www.afronova.com/artists/billie-zangewa/)

Artista: Billie Zangewa (http://www.afronova.com/artists/billie-zangewa/)

POR LEOPOLDINA FEKAYAMÃLE

Sim, o título deste texto é mesmo algo que me passou pela cabeça. E sim, sou feminista, mas às vezes quando ouço pessoas que se opõem ao feminismo dizerem que este não devia existir eu penso “quem dera que vocês tivessem razão”.

Mas o que implicaria a não existência do feminismo? Implicaria uma sociedade em que as mulheres fossem livres! Livres de toda opressão sexista e de todo o tipo de repressão baseada no género. E já atingimos tal estágio de liberdade? Obviamente que não, então, um sim à necessidade mais do que legítima do feminismo e um sim à sua constante pertinência. E para recapitular conceitos: feminismo, mais palavra ou menos palavra que se lhe acrescente, é um movimento político e social que visa a libertação das mulheres de todo e qualquer tipo de opressão só por estas serem mulheres, reivindicando direitos que lhes são negados. Estas formas de opressão começam desde as ideias que se constroem nas nossas mentes sobre “o que é uma mulher ou como deve ser uma” e vão até aos actos de violência que acabam com a vida de inúmeras mulheres por este mundo fora.

Só no início deste ano, um pouco por todo mundo já se começaram a revelar estatísticas de feminicídios. Quem for ao Google e procurar por notícias de casos de mulheres sendo mortas por homens – que muitas vezes são seus maridos e namorados – desde Janeiro de 2019 há-de encontrar. Todos os dias uma mulher é morta ou é agredida porque não soube ser uma mulher em condições, porque não soube se encaixar nos papéis de género que definiram para ela e então, quando ela não se encaixa, não sabe ser “delicada” ou não sabe ser submissa o suficiente, um homem – que normalmente se beneficia da opressão dela – se acha no direito de a corrigir, não importa se é com morte ou com agressão psicológica e física, importa é mostrar às mulheres que elas não podem ir além do lugar que o Patriarcado – sistema de dominação masculina sob o qual vivemos – as colocou.       

Todos os dias uma mulher ou uma menina é vitima de estupro, seja de pessoas próximas a elas, seja de pessoas distantes, e aqui novamente digo que quem for ao Google procurar por casos de estupro há-de encontrar uma infinidade de notícias acerca e uma infinidade de notícias referindo protestos por conta destes actos.

Em Angola, os meios de comunicação social têm revelado nos últimos tempos vários casos destes, a realidade anda mesmo à nossa porta. E quando não é a TPA (Televisão Pública de Angola), é a Tv Zimbo ou a Rádio Nacional de Angola a trazerem casos destes aos nossos olhos. Por nós mesmos vamos sabendo da irmã, da prima, da tia, da sobrinha, da amiga, da vizinha e da moça da outra rua que foram agredidas, violentadas, queimadas e mortas por alguém que lhes quis lembrar que se deviam colocar “no papel de mulher” – o papel daquela que não contesta, não tem voz, que obedece, que não diz ‘não’, que está sempre disponível, que se anula, etc.

O feminismo surgiu há algumas tantas décadas antes nós exactamente para destapar todas as violências que as mulheres sofriam e não eram tidas em conta, ou que não eram sequer tidas como violência. O feminismo surgiu, cresceu, espalhou-se pelo mundo porque era importante haver mobilização em massa para que os corpos, as vidas, as existências das mulheres deixassem de ser desumanizadas.

O feminismo surgiu e existe para que os direitos das mulheres a terem uma vida em que possam ser, de facto, livres sejam reivindicados, salvaguardados e vividos sem medo.

O feminismo existe porque é importante que se façam pressões para que se criem políticas públicas que amparem as mulheres em todas as situações de violência pelas quais elas passam. Mais do que isso, que se criem políticas que acabem de vez com estas violências. O feminismo existe para que a nível político, social e cultural as mulheres deixem de ser vistas como seres humanos que têm de ser sempre dominados, controlados e invadidos.  

O feminismo existe para trazer ao de acima as vivências de todas as mulheres e dar-lhes as vozes que lhes têm sido negadas: voz para ser, sentir, não temer, não se sentirem mal ou culpadas pelo que não fizeram, pelas violências que sofreram. O feminismo existe para deslegitimar a opressão, a violência, a subalternização e subjugação das mulheres.     

Eu queria viver num mundo onde o feminismo não existisse sim, mas, no contexto actual, ainda bem que ele existe e nos motiva a andar para frente na luta por sociedades justas e onde as opressões caminhem para o fim.

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Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!