Sobre mulheres e crocodilos

POR GRETEL MARÍN

Para andar a pé pela cidade de Luanda convinha ser surda. Aquilo que podia ser uma linda manhã de sol e pessoas com pressa, o barulho delicioso intrínseco deste lugar, transforma-se num“psit, moça tá bonita yah!, gostosa!”. Ou talvez, “eu quero uma assim para mim”, como se se pedisse precisamente uma birra no fim do dia em qualquer bar escondido da Baixa. Porque nós, mulheres, pedaços de carne - com roupa apertada ou folgada, não interessa - estamos sempre a chamar à atenção, à espera de alguém que venha nos lembrar que somos apetecíveis.

Entendo agora, claro, porquê que o nosso corpo pode se metamorfosear numa birra ou vice-versa. Também seria preciso ser cega para ir à Ilha dar um mergulho no fim de semana. “Ela é toda boa”, anuncia o cartaz gigantesco de uma daquelas marcas novas de cerveja que inunda Luanda com publicidades. Como símbolo do anúncio, os peitos ou o bumbúm femininos... que viraram garrafa. Triste. 

As vezes ando com meu pequeno livro na mão. Sim, um livrinho que me indica o bom caminho, as boas palavras que uma pessoa deve dizer nesses casos. É um livro que devia ser estudado na escola. Digamos que, antes de tudo, está claro que quero para mim e para todas as mulheres desta cidade e de outras, o privilégio de caminhar sem que ninguém venha a “indicar” alguma coisa, sem que seja confundido o elogio com a falta de respeito e o tratamento objetivante de uns sobre outras, sem que se acredite que o homem tem direito a tudo e que a mulher só cala.

O que aconteceria com uma sociedade se uma grande parte dela tivesse de ser surda, cega e muda para sobreviver?! Por isso, só quando este nosso sonho se realize é que deixarei de lado o meu pequeno livro educativo, com algumas frases obscenas e agressivas que encontrei para dizer quando me sinto incomodada. 

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