Falar não tem hora – é agora!

POR LEOPOLDINA FEKAYAMÃLE

União Nova Geração do Mar. Fonte: Portal de Angola    

União Nova Geração do Mar. Fonte: Portal de Angola    

Acompanhei, no último 13 de Fevereiro, pela TPA, mais uma edição do carnaval – o nosso carnaval! Gosto de pensar que não fui a única que tirou algum tempo para assistir ao desfile que decorreu na marginal de Luanda e foi transmitido em directo para todo o país. Do lado da tela, de onde assistia, sentia inúmeras coisas, “muitas euforias” – nunca consigo sentir “só uma euforia” quando se trata do carnaval. E as várias euforias decorreram das múltiplas faces que compuseram o nosso carnaval neste ano, desde os vários grupos, os diferentes estilos de dança, as canções, o gingar dos nossos reis e rainhas e todo cenário cativante – como não se deixar envolver?

Sem dúvidas e sem ser novidade alguma o carnaval é uma das maiores celebrações de e da nossa cultura e das poucas que combina em simultâneo as peculiares identidades presentes no nosso país. Essas identidades, no carnaval, evidenciaram seus diferentes traços, mas também os seus traços comuns e combinaram-se harmoniosamente mostrando como nos podemos todos encaixar na diversidade! Com um passo a direita e outro a esquerda, saboreei – mesmo que do outro lado - um pouco do nosso glorioso semba e dos ritmos da cazucuta, entretanto, além de tudo isso ficaram-se-me patentes os diferentes temas propostos pelos diferentes grupos. Um destes temas foi a ‘Violência doméstica e repúdio ao abuso sexual’, podíamos dividi-lo em dois se quiséssemos, pois faria sentido de qualquer forma abordarmos de um lado a violência doméstica e de outro o abuso sexual, mas importa sobretudo a intenção de se terem levantado esses assuntos, mais uma vez.

O tema foi “a marca” deste ano do grupo União Nova Geração do Mar, a canção com a qual se exibiram e alguns outros aspectos apelavam a necessidade do fim à violência doméstica e ao abuso sexual por um lado, e, por outro lado a necessidade de se abordar mais estes assuntos em todas as esferas. Achei interessante que se trouxesse o tema “à baila” logo no carnaval, mais do que isso ficou evidente como usar os espaços – todos os possíveis – importa e pode fazer diferença de alguma forma. Era o momento mais apropriado para se falar de violência doméstica e abuso sexual? Uns diriam que não, mas o grupo União Nova Geração do Mar mostrou que, às vezes, até os espaços “impensáveis” servem para abordarmos questões importantes. Porque é importante falarmos sobre violência doméstica sim e sobre abuso sexual, lembrando que infelizmente as principais vítimas são maioritariamente mulheres e meninas. É importante continuarmos o debate sobre repensar os papéis de género que são desiguais e fazem parte do “pacote-base” de muito do que causa violência doméstica e abuso sexual.

Enquanto sociedade é imprescindível que não nos esqueçamos do valor de abordarmos uns com os outros estes e demais assuntos. Abrirmo-nos para diálogos é parte da jornada para, progressivamente, construirmos o caminho do fim aos vários tipos de violência que mulheres e meninas têm sofrido no nosso país. Pensemos sempre nos numerosos casos relatados e naqueles anónimos, lembremo-nos com ou sem carnaval dessas mulheres que podiam não ter passado por processos tão difíceis como os de violência se tivéssemos uma sociedade com equidade entre todos.

O União Nova Geração do Mar, em meio aos ritmos, reforçou a certeza de que falar importa sim e por isso não nos calaremos! E mesmo quando as palavras já não vierem de nós ainda assim continuarão fortes, pois uma vez lançadas estas espalham-se. E que continuem palavras, canções, ritmos e passos que nos remetam, vezes sem conta, ao valor da justiça e liberdade de todas as formas de opressão que mulheres sofrem.

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