Redefinições

Por Leopoldina Fekayamale

Ainda não nos ensinam a sonhar, a sonhar alto!

Embora os séculos avancem, a humanidade cresça em número e se desenvolva em muitos campos sociais, continuamos numa sociedade que ainda diz que “mulher não pode querer muito, não pode ser muito, não pode ser igual”.  

Acordamos todos os dias e temos de lidar com a forma inferior como o(s) colega(s) ou chefes no local de trabalho nos olham e subestimam por sermos mulheres. A forma como o professor na sala de aulas nos acha incapaz de ser tão bem sucedidas quanto os colegas homens e nos inferioriza. " a mulher sempre vem em segundo".

A forma como nos dizem, repetidamente, que somos "costelas", que fomos criadas em segundo plano e é nesse nível - o secundário - que devemos permanecer.

Em casa temos de lidar com a forma como os nossos irmãos são impulsionados para as “grandes profissões” e nós para as “pequenas profissões” – aquelas consideradas “de mulher”.

Não estou, com tudo isto, a dizer que não existem excepções, que não existem lugares onde as coisas funcionam de forma equilibrada e se respeite e veja o outro como igual. Estou sim a dizer que as desigualdades existem - mesmo - e precisamos continuar a repensar os nossos padrões sociais e, principalmente, a forma como os papéis sociais são definidos.

E comecemos por casa. Não falo de outro país ou generalizado, falo de Angola, das vivências de inúmeras mulheres e da forma como temos de lidar constante e exaustivamente com essas situações. 

Acredito que se o que definimos como “ser mulher e ser homem” favorece mais a uns do que a outros e, acima de tudo, oprime uns e privilegia outros, então precisamos mesmo rever, questionar e mudar tais “definições”. Se ensinamos os meninos que eles podem sonhar com o que quiserem, em ser o que quiserem e a explorar todas as possibilidades de auto-desenvolvimento, então podemos fazer exactamente o mesmo com as meninas.

Porquê limitar ou procurar ofuscar as capacidades e potencialidades das mulheres em serem tão boas profissionais quanto os homens se antes de sermos mulheres ou sermos homens somos todos humanos?

Não é justo que desde cedo ensinem as meninas que as mulheres têm de aprender a ser e viver eternamente submissas aos homens. Não é justo ensinarmos que mulheres devem limitar os seus sonhos porque são mulheres e têm de dar sempre lugar e abrir mão de si pelos outros. Ouvimos muitas vezes “mulher que é mulher se sacrifica pelos outros”, ensinam-nos que temos de abrir caminho sempre para os outros passarem mesmo que nessa passagem nos pisem e nos magoem. Ensinam-nos até a sentirmos culpa por sonhar alto, por sonhar com coisas a que emos direito, que merecemos. As vezes que ouvimos “mulher não pode estudar muito, não pode pensar muito, não pode ser muito inteligente…” são muitas. 

Todas já ouvimos de alguém próximo (pai, irmão, primo, amigo) , ou distante (um conhecido qualquer), que não adianta querer muito "porque mulher não pode", tem de ser submissa. Dizem-nos que nos devemos limitar a sonhar em ser mães e a cuidar de uma casa, que isso é o que deve ser o foco de uma mulher e, mais,  “deve ser o centro da vida de uma mulher, sempre foi assim”.

E nesse mar de limitações e pessoas sempre dispostas a nos puxar para trás e a perpetuar princípios e valores que subalternizam mulheres, se nos recusamos a seguir aquilo que definem como "o mais importante para nós",  então somos designadas "rebeldes", passo o eufemismo. Somos as que querem “estragar” a sociedade.

Pois bem, se é rebeldia romper com as barreiras que nos oprimem - sejamos rebeldes!

Se é rebeldia mostrar as mulheres que não precisam ter medo de ser, sonhar e  viver - sejamos rebeldes!

Se é rebeldia dar asas à nossa criatividade, às nossas potencialidades, para nosso auto- desenvolvimento e desenvolvimento social -  então que sejamos rebeldes!

E como disse a rapper angolana Girinha Costa, numa das suas músicas que passo para o plural: “Não vamos querer”.

Não vamos mais querer aquilo que sempre nos disseram que “mulher tem de ser”. Queremos descobrir novas definições por nós mesmas, queremos fazer as nossas próprias definições! Queremos que as mulheres, desde já, e nas futuras gerações, não tenham medo de ser e sonhar alto. Estamos a reivindicar o direito a nos redefinirmos!

Se existe a necessidade de haver regras, então que estas sejam para todos. Se existe a necessidade de haver limites, que estes sejam para todos. Se tivermos de evoluir que o façamos todos. Sem opressão para uns, sem tentativas de manter o outro debaixo da nossa asa. Num mundo igual, o conceito de submissão é substituído por respeito mútuo, sem figuras de “autoridade máxima”.

Não aceitem estar em segundo plano, não aceitem que vos digam que são "costelas" seja de quem for. Aceitem-se como mulheres, plenas e iguais na liberdade. 

 

Sobre a autora:

Leopoldina Fekayamale é estudante de linguística, activista e blogueira com morada em Leo Escrevendo... É membra da coordenação do Ondjango Feminista, e a responsável pela coordenação dos encontros mensais do Ondjango Feminista no Lubango, província da Huíla.

 

Foto de Tony Gum (África do Sul). Conheça o trabalho da artista aqui

 

Anterior
Anterior

FAOFEM 2017 (um pouco do que ficou)

Próximo
Próximo

Assédio Sexual nos Espaços Públicos: Resultados do Inquérito