Lugar de escrita - Bolo Preto

obra de Charmaine Wilkerson

Por Tabitha Dorcas

Charmaine Wilkerson é uma escritora americana formada pelo Barnard College e pela Universidade de Stanford, que morou na Jamaica e atualmente reside na Itália. Ela é uma ex-jornalista com contos de ficção, inclusive um premiado, publicados em diversas revistas e antologias internacionais. Bolo Preto é o seu primeiro romance. Este livro conta a vida de três gerações de uma família que sofreu imenso de várias formas, tendo como pano de fundo uma relíquia, uma herança cultural e ancestral tão cuidadosamente salvaguardada: o bolo preto.

Benny e Bryon são dois irmãos que não se vêem há 8 anos e encontram-se a passar por um processo de luto. A mãe deles, Eleonnor Benett, morre e deixa uma longa gravação para os filhos ouvirem antes do seu enterro, na presença do seu advogado. Na gravação, Eleonnor começa por narrar a vida tumultuada de uma jovem da Ilha de Portland, na Jamaica: Covey, uma adolescente obrigada pelo seu pai a casar-se com um homem da mesma idade dele e que é agiota. O pai de Covey além de ser alcoólatra era viciado em apostas nas rinhas de galo, precisando de pagar as dívidas dos seus negócios casar a filha era o preço. Covey viu-se obrigada a fugir da Ilha em circunstâncias desagradáveis: como a principal suspeita de um assassinato.

Covey passa por um desastre atrás do outro, o que me fez constantemente questionar quando aquilo ia parar e, em simultâneo, levou-me a querer entender a ligação entre ela e Eleonnor. Durante a leitura havia todo um mistério que envolvia as duas, e, claro, acabei por descobrir. A descoberta deixou-me maravilhada e ser-vos-á revelada quando lerem o livro!

A gravação não para no episódio da vida de Covey, à medida que avança Eleonnor narra também a história da sua melhor amiga Benny, do seu eterno amor Gibbs e de outros ilhéus. Sequencialmente explica aos filhos sobre o verdadeiro estado da família e sobre o bolo preto, coisa que ela não teve a oportunidade de fazer presencialmente porque os filhos estavam separados. Eleonnor vai revelando vários episódios e tece a história familiar de modo intrigante e complexo.

Benny via sua mãe a preparar o bolo desde que era criança, por isso, quando as coisas começaram a dar muito errado na primeira faculdade renomada que frequentou, ela seguiu o seu sonho estudando culinária e arte, algo que segundo a família devia ser apenas um hobby, já que esperavam que ela se formasse numa universidade prestigiada. Benny sentiu-se excluída da família no dia de Ação de Graças pelo preconceito em relação à sua carreira indefinida, e soma-se a isto o facto de ela ter revelado que tinha uma namorada ao invés de namorado como era esperado pelos pais. Sem uma carreira fixa, esconde-se por não ter o que mostrar para a família e sente-se profundamente ressentida pelo seu irmão. Bryon, o primogênito da família, é um homem negro muito bem-sucedido na sua carreira, cumprindo com todos os objectivos que os pais tinham para ele. No entanto, a sua vida fora da carreira é que não ia bem, seja porque estava afastado da ex namorada, seja porque sofria constantemente racismo estrutural e seja porque estava ressentido com a irmã que não voltou para casa desde o dia de Ação de Graças, nem mesmo 6 anos depois quando o pai deles morreu.

Apesar disso, os irmãos Benny e Bryon vêem-se obrigados a juntar peças a partir da gravação da mãe enquanto descobrem as mentiras que deram sustentabilidade à sua família, o passado muito sofrido e distorcido da mãe, a verdadeira identidade dos pais, as pessoas por conhecer, a ligação dos pais com a Ilha, a relação da família com o mar, mais mentiras e suas justificações.

Este livro intergeracional envolve uma quantidade elevada de personagens (o que pode deixar o leitor confuso quanto à memorização de todos os nomes e referências), aborda questões sobre lealdade, segredos de família, imigração, fissuras, mentiras, memórias afectivas, cuidado com o meio-ambiente, vivências dos ilhéus caribenhos, desastres naturais datados e dignos de apontamentos, xenofobia, racismo e herança cultural. Vários destes temas relacionam-se no livro e suscitam várias reflexões, embora o meu foco seja os segredos e as relações de família.

Para mim foi interessante perceber também que apesar de Bryon e Benny estarem bastante presentes durante e depois da gravação, quem protagoniza verdadeiramente o livro é Eleonnor, mesmo já falecida. Por alguns momentos, enquanto lia, perguntava-me se conseguiria aguentar metade da dor que a protagonista aguentou por tantos anos por conta de tudo que o livro nos revela da sua trajetória de vida.

Ao fim do enredo, o leitor depara-se com a história de uma família marcada pelas decisões difíceis que Eleonnor teve de tomar ao longo da sua vida para sobreviver diante de vários desafios.

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