Fome e Seca Deixam Mulheres e Meninas Sem Esperança: Uma Realidade na Comuna da Bata-Bata - Huíla.

Ilustração por Varnette Honeywood

Ilustração por Varnette Honeywood

Por Cecília Kitombe

Por ofício do trabalho, costumo ter o privilégio de estar em contacto com a realidade socioeconómica de algumas comunidades localizadas no interior do nosso país amado. Desta vez, em visita de constatação à província da Huíla, fui convidada a conhecer a Comuna da Bata-Bata, no município da Humpata, e presencialmente vivenciei a situação da seca e fome que assola aquela comuna. Fizemos duas paragens, uma na localidade de Malambu e outra na localidade de Tchipulu, ambas constituídas pelo grupo étnico Nyaneka-Khumbi. Pelos rostos das crianças, meninas, rapazes, mulheres e homens, a nossa chegada despertou olhares e observações.

A primeira paragem foi na localidade de Malambu, onde a organização não-governamental Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), iniciou há nove meses a construção de uma cisterna calçadão como resposta à seca e consequente falta de água. A mesma serve como um reservatório de água, visando amenizar a situação de seca cíclica que afecta directamente a vida das cidadãs e dos cidadãos daquela localidade.

A nossa paragem fez um grupo de cidadãos e de cidadãs juntarem-se a nós. Naquele momento, nada mais fiz do que observar. Desta observação, constatei que havia na comunidade mais crianças, aparentemente dos 0 aos 18 anos; várias meninas adolescentes com filhos e filhas menores às costas; e senhoras, mulheres com mais de 40 anos. Havia também jovens “rapazes”, mas eram pouquíssimos; e havia senhores, já com uma certa idade, aparentando ter mais de 50 anos, com marcas muito fortes de envelhecimento – talvez, devido à situação social a que são submetidos.

Durante a nossa visita em Malambu o soba tomou a palavra. Sem receios, ele começou a abordar os problemas que afectam as comunidades, nomeando a fome e a seca como os principais problemas que os enfermam, sendo que a seca tem afectado profundamente a produção agrícola. De repente, uma senhora tomou a palavra, começou por dizer que estão a passar mal, não têm conseguido cultivar, estão sem água e sem comida para alimentar os filhos. Disse ainda que para se alimentarem recorrem a uma árvore denominada “Mutunda” cuja raiz quando esmagada torna-se farinha, parecida à farinha de mandioca, e com ela fazem uma espécie de papá.

Depois de termos visitado e ouvido a comunidade de Malambu, seguimos então para a segunda localidade, denominada Tchipulu. Nela visitamos igualmente uma cisterna calçadão e auscultamos a comunidade. Aí esteve um grupo maior, constituído maioritariamente por mulheres, meninas e crianças. A comunidade apresentou vários problemas, desde a falta de água, falta de alimentos, falta de comunicação (rede de telefonia móvel, internet) e falta de serviços sociais básicos (não há escolas, postos de saúde, habitação condigna, etc.). Algumas senhoras referiram que para conseguirem uma garrafa de água de 5 litros percorrem cerca de 16 a 20km a pé, demonstrando uma clara ausência do Estado-Governo.

Pela nossa observação, as pessoas apresentavam problemas de saúde pública, tais como: a desnutrição, condições higiénicas inapropriadas, com roupas completamente sujas, sintomas de quem efectivamente está a passar por problemas de falta de acesso à alimentação e água potável.  Imaginemos o que é viver escolhendo entre beber água, muitas vezes imprópria, e usar a água para lavar as roupas? Infelizmente o povo daquelas localidades não têm opção!

Os problemas são mais graves. Quando questionei em particular as meninas como faziam para se manterem higiénicas enquanto vivenciam o período menstrual, a resposta foi arrasadora! Responderam-me que fazem cortes nos seus próprios panos (indumentária presente e usada por toda a comunidade, desde homens, crianças e mulheres). Usam os recortes dos panos dia-pós-dia, enquanto durar o período menstrual. Por falta de água para a higienização, elas guardam os pedaços dos panos com sangue em algum lugar “secreto”, até aparecer água para os lavar (podendo ficar guardados mais de dois meses).

Depois questionei-as sobre os maridos, ou seja, os pais dos seus filhos, sendo que as comunidades estavam com muitas meninas carregando filhos às costas e haviam poucos rapazes jovens. Então, elas disseram-me que os pais das crianças estão nas cidades (centros urbanos), abandonaram-nas, para tentarem a vida em outros lugares, e, os pais dos rapazes não as apoiam. Por um lado, não as apoiam porque não têm condições para o efeito, são igualmente empobrecidos de recursos; mas por outro, não assumem a responsabilidade dos filhos, acusando as meninas de “assanhadas”. Este cenário, parece-nos um sintoma patriarcal que culpabiliza as mulheres e meninas pela condição de terem nascido “com uma vagina”.

De problemas não é tudo! Urge também destacar que em função dos problemas vividos, muitos estão a encarar a morte por falta de alimentação. Há muito êxodo rural, sobretudo por parte dos jovens rapazes. E, claramente, percebe-se o perigo da perda de identidade cultural daquele povo. À medida em que alguns morrem e levam consigo a cultura (a forma de vestir, a língua local, os saberes locais, etc.) e outros correm para outras localidades, claramente aculturam-se deixando alguns hábitos e costumes de lado.

Apesar dos problemas acima referidos, deu para perceber que as comunidades daquelas localidades têm muita força e vontade de participar do desenvolvimento das suas regiões. A título de exemplo, encontramos um grupo de mulheres a escavar o buraco onde será implantada a quinta cisterna calçadão, e elas também fazem parte do ‘grupo água e saneamento’ que foi constituído para cuidar da cisterna calçadão e garantir a sustentabilidade daquele projecto.

Ademais, à medida em que nos comunicávamos, observamos que as mulheres e meninas destas localidades têm capacidade de liderança, orientação e sabem o que querem, basta potencializá-las. Uma outra potencialidade que conseguimos captar foi a dedicação na produção artesanal de utensílios de cozinha (pilão, balaios, e etc.), feitos à mão maioritariamente por mulheres. É fundamental e imperioso que o governo capte este potencial e amplie as actividades dessas mulheres.

É igualmente fundamental que, à partida, o governo faça tudo e mais alguma coisa em prol do respeito pelos direitos humanos. Sobretudo, pelos direitos das meninas e mulheres pois estas acabam ficando com o fardo do cuidado das crianças em decorrência das facilidades que os homens têm de fugir à paternidade. Exigimos ainda que haja respeito pelo direito à alimentação, direito à vida, direito à saúde e direito à educação, como princípios básicos para a coexistência humana.

Angola é um país que ratificou os principais instrumentos internacionais sobre os direitos das mulheres e meninas, para citar alguns: o Protocolo de Maputo e a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra à mulher. E mais, Angola tem uma política Nacional de Igualdade e Equidade de Género cujos domínios comprometem-se a dar resposta aos problemas acima mencionados. É preciso questionarmo-nos sobre os fracassos destas políticas, mas mais do que isso, é fundamental dar praticidade a estes documentos para que não fiquem apenas no papel e consigam surtir efeitos na vida directa das mulheres.

A comuna da Bata-Bata dista a 42 quilómetros da sede municipal da Humpata, na província da Huíla, e tem uma população estimada em perto de 17 mil habitantes. Este número está a reduzir em função do êxodo rural e das mortes que têm ocorrido. Neste momento, a comuna precisa de programas integrados e abrangentes: é preciso garantir-lhes apoios do ponto de vista de acções directas para o acesso imediato a alimentos, à água e ao vestuário. Na sequência, deve-se levar a cabo acções de desenvolvimento que garantam acesso à educação, à saúde, à capacitação técnica, bem como acções voltadas ao exercício da cidadania.

O governo não pode perder de vista que o seu grande compromisso é criar a equidade, a harmonia entre todos e todas no país. Não podemos deixar nenhuma mulher ou menina para trás, é fundamental que as políticas sociais sirvam até à última/o angolana/o.

Para isso, é imprescindível olhar para a Angola profunda. Sabemos que existem várias localidades como a de Bata-Bata no nosso país, por isso dedicar uma atenção especial aos programas de género e o seu impacto na vida das mulheres é o caminho para fortalecer as famílias angolanas.

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