A geração recente de feministas angolanas: afirmação, legado e desafios

Foto de Gretel Marin

Foto de Gretel Marin

POR CECÍLIA QUITOMBE

Há uma história que precisamos registrar, para demarcar, incentivar e inscrever no cenário angolano, uma “nova” abordagem sobre os direitos das mulheres. Desde 2014 que tenho visto de forma intensa e ininterrupta mulheres a ocuparem o espaço público mediático (sobretudo as redes sociais) para abordarem temas ligados aos direitos numa perspetiva feminista. O presente texto tem como objectivo refletir em torno da emergência de um grupo de mulheres feministas angolanas que nasceram na década de 80 a 90, que têm lutado quotidianamente de forma ousada e destemida ao autonomearem-se feministas. Demarcar que é um grupo de mulheres que tem feito um enorme serviço de advocacia e consciencialização em torno dos direitos das mulheres, através de diferentes meios de comunicação social tradicional e alternativo politizando e denunciando o abuso de poder e a supremacia masculina sobre outros géneros.

Sinalizar que foi em junho de 2016 que o movimento feminista angolano ganhou forma e conteúdo com a criação do colectivo ondjango feminista, enquanto um grupo de mulheres que decidiu reunir uma vez ao mês para abordar temas ligados aos dramas e situações sociais que relegam as mulheres a um papel secundário na divisão sexual do trabalho, tópicos como representação feminina na política, género e desenvolvimento, direitos sexuais e reprodutivos dentre outros, têm sido analisados com e para as mulheres.

O que me faz pensar na relevância deste texto, não é tanto o colectivo enquanto uma expressão do movimento feminista, mas o esforço e demonstração de superação com que as defensoras do feminismo em Angola, engajam-se. A forma como algumas defendem a emancipação das mulheres, me remete a um passado recente, onde as nossas ancestrais defenderam com arma na mão o direito ao solo angolano, empunhando todo tipo de armas para reafirmar que o chão do país pertence as angolanas e angolanos, as nossas heroínas da libertação nacional, aquelas que lutaram para o fim da colonização e a seguir, para  fim da guerra civil.

É um grupo de mulheres que não é homogéneo, mas que usa a heterogeneidade em termos de pensamento, filosofia de vida, para construir pontes de solidariedade, para engajar de forma séria no debate de desconstrução mental e eliminação do sistema patriarcal. Chamando atenção e denunciando a violação de direitos das mulheres para a concretização de um sonho, da justiça social e a consolidação dos princípios organizadores da convivência social.

 Sinto-me acolhida, compreendo os meandros da luta, acima de tudo, percebo que enquanto feminista tenho um longo caminho  a perseguir, mas ao mesmo tempo reconforta-me saber que a caminhada não é isolada, que todos os dias multiplicamo-nos, alcançamos mais e mais pessoas, já não somos apenas aquele grupo que era fácil de identificar, actualmente somos incontáveis, diz o ditado mulheres crescem quando se juntam.

Aliado a tudo que disse anteriormente, há uma forte tendência de vermos meninas e mulheres a identificarem-se com feminismo cada vez mais cedo (com media de 15 anos de idade), algumas já o eram, mas não nomeavam-se, pese embora, a nomeação seja um elemento fundamental na luta pelos direitos da mulher através do movimento feminista, por acarretar consigo, desafios de ordem pessoal e social, logo, nomear-se feminista é demarcar o seu lugar de fala, assumir o compromisso social e político na defesa dos direitos das mulheres, é ainda assumir e declarar o compromisso de eliminação de todas as formas de opressão à mulher, quanto mais cedo, as meninas começarem a perceber a importância da ideologia feminista, mas rapidamente alcançaremos a justiça de género. (este é um tema que nos próximos artigos terá maior desenvolvimento).

Quando vejo uma mulher de 15 aos 25 anos, a pautar e desmascarar o patriarcado com toda a sua acutilância e ousadia, faz-me pensar numa estrutura social hierárquica que cada vez mais se deparará com o desafio de adequar-se as novas demandas das mulheres, a ser forçada a criar equilíbrios para acomodar os direitos humanos das mulheres jovens.  Isso leva-me a reflectir sobre a sustentabilidade do movimento em Angola, que a mim parece caminhar para um porto seguro, apesar dos desafios que se impõe as mulheres, actualmente em termos de acesso à educação, saúde e outros serviços sociais básicos.

As feministas actuais nos desafiam, mas do que as nossas expectativas, nos mostram uma capacidade infinita de questionar, reflectir, e repensar os papeis de género, as relações de parentesco, os rituais culturais e todos os outros sistemas de opressão social.

A geração de feministas actuais, quebra paradigmas, rompe padrões sociais, exigindo uma sociedade capaz de acolher e preservar as diferentes escolhas das mulheres no âmbito do exercício de cidadania e consolidação da democracia participativa.

Uma geração de mulheres, que exige representação nos espaços económicos, políticos, sociais e culturais alargando as suas liberdades e direitos fundamentais, propiciando espaços para carimbar presença e garantir o aprendizado mútuo.

A geração de feministas segue nomeando-se, assumindo a categoria, ao mesmo tempo, que traz para o movimento o desafio de acolher a todas, independentemente do grau académico, orientação sexual, religião ou classe social.

 Estamos perante uma geração de feministas que são desafiadas diariamente com o enfrentamento do machismo, muitas vezes reproduzido pela família, colegas da escola, amigos de infância, colegas de trabalho, e outros grupos próximos. Mas esta geração, sabe bem o que quer, reconhece bem as artimanhas do sistema, por isso, cria consensos quando possível e desliga-se quando necessário.

Incentivar a existência de feministas em Angola é garantir o futuro da sociedade, é salvaguardar a luta pela igualdade de género, colocando um freio na linguagem nociva que visa descaracterizar e desumanizar as mulheres.

Para finalizar, temos claramente consciência da dificuldade de sermos e nos nomearmos feministas, em um contexto onde desde muito cedo somos oprimidas pela religião, família, Estado e outras instituições sociais. Sobretudo, quando o Estado confunde a laicidade com a protecção de princípios  religiosos, logo, somos vulnerabilizadas, obrigadas a resistir e criar momentos de fricção com as referidas instituições.

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